quarta-feira, 30 de junho de 2010

Teorias de “poder” na relação entre indivíduos e/ou instituições no processo de organização social: um diálogo entre Foucault, Balandier e Bourdieu.


Adjair Alves [1]



Resumo



Compreender as relações de poder na contemporaneidade constitui para as ciências sociais uma exigência, num mundo em que as relações são multifacetadas, se dando nos mais diferentes níveis da organização social. O que pretendemos fazer no presente texto é discutir como estas realidades se organizam e se relacionam seguindo a trajetória teórica de três nomes significativos das ciências sociais: Foucault, Balandier e Bourdieu. Analisar como estas realidades se apresenta na construção teórica destes autores possibilitará uma aproximação, diga-se, não muito fácil de se estabelecer, com o entendimento da forma como as relações de poder na contemporaneidade são efetivadas. Evidentemente que, levando em consideração a complexidade da questão, o que pretendemos aqui é apenas um ensaio, digamos; inconcluso, visto que não temos a última palavra sobre a questão.



Palavras-chave: poder, arqueologia, genealogia, habitus, dinâmica social.




Introdução


Os conceitos de cultura, organização e estrutura são caros, as Ciências Sociais, pela importância que os mesmo possuem como possibilidade de interpretação e/ou compreensão das sociedades humanas, objeto de estudo destas ciências. É da forma como entendemos a relação entre estas instâncias, que podemos compreender ou formular as teorias de “poder” na relação entre indivíduos e/ou instituições no processo de organização social. Na tradição das Ciências Sociais, o poder tem sido analisado, não apenas como uma instância macro, mas também nos micro processos. E, é aí que se tem erigido explicações razoáveis, para se entender como essa instância social te alcançado patamares de sua reprodução social. Foucault, Balandier e Bourdieu oferecem três possibilidades de interpretação do poder que poderão ser útil ao seu entendimento.



1. Michel Foucault, e o papel da arqueologia como instância desmistificadora dos saberes e instituições.


Três obras são significativas para se compreender o trajeto metodológico e os objetivos da arqueologia dos saberes construída por Michel Foucault. São elas: História da loucura, Nascimento da clinica e, As palavras e as coisas.

Alguns instrumentos demarcam a unidade de pensamento, tais como: o conceito de saber, o estabelecimento das descontinuidades, os critérios para datação de períodos e suas regras de transformação, o projeto de inter-relações conceituais, a articulação dos saberes com a estrutura social, a crítica da idéia de progresso em história das ciências. Para nós a forma como Foucault compreende a “articulação entre saberes e a estrutura social” é uma peça chave, porque ela assinala para sua compreensão do poder.

A “arqueologia” busca estabelecer a constituição dos saberes privilegiando as inter-relações discursivas e suas articulações com as instituições. Objetivava responder como os saberes apareciam e se transformavam. Essa análise dos saberes tem como finalidade situá-los como peça de relações de poder ou incluindo-o em um dispositivo político, chamada de genealogia.

Numa perspectiva genealógica – o termo é nietzschiano – o homem aparece como sujeito e objeto do conhecimento, mas este se constitui como tal à medida que vai se articulando como instância de poder. Não é assim qualquer conhecimento que se articula. O propósito da arqueologia dos saberes é construir as estruturas deste saber, de como ele vai se constituindo como tal. Assim em Foucault, não há propriamente uma “teoria geral do poder”. Ou seja, suas análises não consideram o poder como uma realidade que possua uma natureza, uma essência que ele procuraria definir por suas características universais (MACHADO. Apud, FOUCAULT, 1979: x). O poder não é uma coisa, mas uma prática social constituída historicamente. É uma prática múltipla, dispersa e descontínua, não subordinada a um conceito universal.

O que é uma teoria na perspectiva foucaultiana? Primeiramente, toda teoria é provisória, acidental, dependente de um estado de desenvolvimento da pesquisa que aceita seus limites, seu estado inacabado, sua parcialidade, formulando conceitos que clarificam os dados. Não é objetivo da arqueologia, nem da genealogia fundar conceitos, teorias ou sistemas, mas realizar análises fragmentárias e transformáveis. Para Foucault, o Estado não é sinônimo de Poder, embora ele se situe, enquanto instituição, como o centro do poder. O poder é uma instância que se articula nas micro-relações locais, ele está circunscrito a uma pequena área. “O que aparece como evidente é a existência de formas de exercício do poder diferentes do Estado, a ele articuladas de maneiras variadas, mas indispensáveis inclusive à sua sustentação e atuação eficaz” (id. p. x).

O poder intervem materialmente, atingindo a realidade mais concreta dos indivíduos, o seu corpo, se caracterizando como um micro-poder. A micro-física significa um deslocamento do espaço de análise, quanto do nível em que esta se efetua (p. xii). “Realidade distintas, mecanismos heterogêneos, esses dois tipos específicos de poder se articulam e obedecem a um sistema de subordinação que não pode ser traçado sem que se leve em consideração a situação concreta e o tipo singular de intervenção” (p. xii). Mas os poderes periféricos e moleculares não foram confiscados pelo Estado. Não são necessariamente criados pelo Estado, nem são reduzidos a uma manifestação do Estado. Eles se exercem em pontos diferentes da rede social, integrados ou não ao Estado. Os poderes não estão localizados em nenhum ponto específico da estrutura social. Eles funcionam como uma rede de dispositivos ou mecanismos a que nada ou ninguém escapa.

O Poder, a rigor, não existe, o que há são práticas ou relações de poder. Como onde há poder, há resistências, o que existe são pontos móveis de resistência, espalhados na estrutura social e não propriamente lugar de resistência. O Poder não é constituído como instância apenas repressiva, negativa, mas também e principalmente como ação produtiva, transformadora. Assim as Ciências são vistas como frutos de uma relação de poder. Todo saber é político. É aí que se sustenta a idéia de que saber é poder.



O que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito é simplesmente que ele não pesa somente como uma força que diz não, mas que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso. Deve-se considera-lo como uma rede produtiva que atravessa todo o corpo social muito mais do que uma instância negativa que tem por função reprimir. (FOUCAULT, 1979: 8).



O Poder está relacionado à produção de saberes e por extensão, à verdade. Mas esta, não é o conjunto das coisas verdadeiras a ser descobertas ou aceitas, mas o conjunto das regras segundo as quais se distingue o verdadeiro do falso e se atribuem ao verdadeiro, efeitos específicos de poder (p. 13).

Foucault não assinala uma defesa da verdade, mas um “combate” em torno do estatuto da verdade e do seu papel político e econômico. A verdade possui um “regime”, um conjunto de procedimentos regulados para a produção, a lei, a repartição, a circulação e o funcionamento dos enunciados. Assim ela está vinculada a sistema de poder. Trata-se então de desvincular o Poder, da Verdade, das formas de hegemonias (sociais, econômicas e culturais), no interior das quais ela funciona, e não de tornar as pessoas conscientes. A questão não é a consciência, a ideologia, a alienação, mas a própria verdade.

Daí a necessidade de se construir a genealogia da verdade. A genealogia é histórica, marca a singularidade dos acontecimentos, espreita-os lá onde menos se esperava e naquilo que é tido como não possuindo história. Ela exige a minúcia do saber, paciência, um grande número de materiais acumulados. Ela deve construir seus “monumentos ciclópicos”.

Para Foucault, o saber do intelectual constitui um sistema de poder. “A idéia de que eles são agentes da ‘consciência’ e do ‘discurso’, que ‘barra’, ‘proíbe’ e invalida o discurso e o saber das massas.” Aí está a necessidade de se fazer o que Deleuze chama de ‘revezamento’, que é ouvir o que os pesquisandos têm a dizer sobre eles. No estudo dos asilos psiquiátricos Foucault sentiu necessidade de ouvir os reclusos falarem de si próprios.

É isto que Deleuze chamou de revezamento (p.70). Para Foucault, a teoria não é mais a expressão de uma prática. O papel do teórico é lutar contra a tirania das representações impostas pelo sistema de poder, o regime de verdade (p. 71). Segundo Deleuze (In. FOUCAULT, 1979: 71) “uma teoria é como uma caixa de ferramentas. Nada tem a ver com o significante... é preciso que sirva, é preciso que funcione.” A teoria é um instrumento de combate.





2. Pierre Bourdieu, o conceito de “habitus” e a reprodução das estruturas sociais.


Um conceito valioso para se entender a teoria bourdieusiana do poder é o conceito de “hábitus”. Para Bourdieu, as práticas sociais, assim como as representações, são geradas por um sistema de disposições duráveis construídas em acordo com o meio social dos sujeitos e são predispostas a funcionar como suas estruturas estruturantes (BOURDIEU, 1983: 60 - 81).

Segundo Bourdieu, a estrutura das práticas sociais não é um processo que se faz mecanicamente, de fora para dentro, de acordo com as condições objetivas presentes em determinado espaço ou situação social. Não seria, por outro lado, um processo conduzido de forma autônoma, consciente e deliberado pelos sujeitos individuais.



É preciso abandonar todas as teorias que tornam explicita ou implicitamente a prática como uma reação mecânica, diretamente determinada pelas condições antecedente redutível ao funcionamento mecânico de esquemas preestabelecidos, ‘modelos’, ‘normas’ ou ‘papéis’, que deveríamos, aliás, supor que são em número infinito, como o são as configurações fortuitas dos estímulos capazes de desencadeá-los.[2]



As práticas sociais apresentam propriedades típicas de posição social de quem às produz, porque a própria subjetividade dos indivíduos, sua forma de perceber e apreciar o mundo, suas preferências, seus gostos, suas aspirações, estariam previamente estruturadas em relações ao momento da ação. Mas esta subjetividade é estruturada internamente pelas experiências vivenciadas pelos sujeitos em função de sua posição nas estruturas sociais. Estas constituem uma espécie de “matriz de percepções e apreciações”, habitus, cuja função é orientar as ações dos sujeitos nas situações a serem vivenciadas. O hábitus é formado por um sistema de disposições gerais que precisariam ser adaptadas pelo sujeito a cada conjuntura específica de ação. Esta dimensão flexível do hábitus, realçado por Bourdieu, impede que este venha ter uma espécie de recaída no objetivismo, ou no determinismo objetivista. Sendo assim, fruto da incorporação da estrutura e posição, sociais de origem, no interior do próprio sujeito, esta estrutura, uma vez incorporada e posta em ação, tornando-se estruturadora das novas ações e representações dos sujeitos, em situações que diferem, em alguma medida, das situações nas quais o hábitus foi formado.

O conceito de hábitus desempenha o papel de elo articulador entre três dimensões fundamentais de análise: a estruturas das posições objetivas, a subjetividade dos indivíduos e as situações concretas de ação. E ainda, a posição que cada sujeito ocupa na estrutura das relações objetivas propicia um conjunto de vivências típicas que se consolidaria na forma de hábitus adequada a sua posição social. o sujeito agirá na sociedade em função deste hábitus, como um membro típico de um grupo social ocupando a posição que lhe compete na estrutura social, colaborando para reproduzir as propriedades do seu grupo social de origem e as estruturas na qual foi formado.

É deste modo que a estrutura de poder e a dominação econômica e, sobretudo, simbólica é reproduzida sem que o indivíduo tenha consciência. As marcas de sua posição social, os símbolos que a distinguem e que a situam nas hierarquias das posições sociais, as estratégias de ação e de reprodução que lhes são típicas, as crenças, os gostos, as preferências que a caracterizam, em resumo, as propriedades correspondentes a uma posição social específica são incorporadas pelos sujeitos tornando-se parte da sua própria natureza.



... só podemos, portanto, explicar essas práticas se colocarmos em relação a estrutura objetiva que define as condições sociais de produção do hábitus (que engendrou essa prática) com as condições do exercício desse habitus, isto é, com a conjuntura que, salvo transformação radical, representa um estado particular dessa estrutura. Se o hábitus pode funcionar enquanto operador que efetua praticamente a ação de colocar em relação esses dois sistemas de relação na e pela produção da prática, é porque ele é história feita natureza, isto é, negada enquanto tal porque realizada numa segunda natureza.



A subjetividade dos indivíduos, na perspectiva bourdieusiana, é algo socialmente estruturada, isto é, se configura em consonância com sua posição na estrutura social. por sua vez, o objetivismo é também superado visto que as estruturas sociais não produzem comportamento mecanicamente, dado que o sujeito incorpora um conjunto de disposições que o orientaria a agir nas mais diversas situações sociais.



‘... Em cada um de nós, em proporções variáveis, há o homem de ontem; é o mesmo homem de ontem que, pela força das coisas, está predominante em nós, posto que o presente não é senão pouca coisa comparado a esse longo passado no curso do qual nos formamos e de onde resultamos. Somente que, esse homem do passado, nós não o sentimos, porque ele está arraigado em nós; ele forma a parte inconsciente de nós mesmos. Em conseqüência, somos levados a não tê-lo em conta, tampouco as suas exigências legítimas. Ao contrário, as aquisições mais recentes da civilização, temos delas um vivo sentimento porque, sendo recentes, não tiveram ainda tempo de se organizar no inconsciente.’ [3]



A análise da realidade social em Bourdieu está relacionada ao papel atribuído por ele à dimensão simbólica ou cultural na produção ou reprodução da vida social. neste ponto é preciso verificar como no pensamento bourdieusiano, três sócio-filosofias, são “conciliadas”.

A primeira, está associada a Durkheim e a noção de sistemas simbólicos como estruturas estruturantes, como elementos que organizam o conhecimento ou percepção que os indivíduos têm da realidade. A segunda, se refere ao estruturalismo defendido por Lèvi-Strauss, para o qual os sistemas simbólicos são estruturas estruturadas, isto é, realidades organizadas em função de uma estrutura subjacente que o cientista social deve identificar. E a terceira, tradição, representada pelo marxismo, que compreende os sistemas simbólicos, como instrumentos de dominação ideológica, cuja função é a legitimação do poder da classe dominante socialmente.

A síntese bourdieusiana busca articular estas três tradições sustentando a idéia de que os sistemas simbólicos são estruturas estruturantes, porque são primeiramente estruturadas. Ou seja, a organização lógica, interna, das produções simbólicas, as capacita a organizar a percepção dos indivíduos, propiciando a comunicação entre eles. E é por esta razão que elas (as produções simbólicas) estruturam as ações dos atores sociais na direção da reprodução das estruturas de poder e dominação social, isto é, as diferenciações e hierarquias presentes na sociedade. Mas esta característica das produções simbólicas, não reduz seu papel a um mero instrumento de manipulação e dominação política (ideologia). A síntese bourdieusiana salienta as funções de “comunicação e de conhecimento” dessas produções. Os sistemas simbólicos são sistemas de percepção, pensamento e comunicação, e não uma ilusão idealista “totalidades auto-suficientes e autogeradas, passiveis de uma análise pura e puramente interna.” (BOURDIEU, 1999:13). Para Bourdieu, as produções simbólicas caracterizam-se por sua relação com os “interesses de classes ou das frações de classe que elas exprimem”, mas também, aos “interesses específicos daqueles que as produzem e à lógica específica do campo de produção.” (Idem).

Bourdieu, portanto, situa-se entre as perspectivas conspiratórias, que concebem as produções simbólicas como artefatos intencionalmente criados com vistas à dominação ideológica, e as perspectivas idealistas, que negam ou desconhecem o papel das construções simbólicas na manutenção e legitimação das estruturas de dominação. A perspectiva bourdieusiana sinaliza para a compreensão de que as produções simbólicas participam da reprodução das estruturas de dominação social, porém, fazem-no de uma forma indireta e à primeira vista, irreconhecível.

Os sistemas simbólicos, segundo Bourdieu, podem ser “produzidos e, ao mesmo tempo, apropriados pelo conjunto do grupo ou, ao contrário, produzido por um corpo de especialistas e, mais precisamente, por um campo de produção e circulação relativamente autônomo”. (id. p.12.)

A noção de campo, diz respeito aos espaços de posições sociais nos quais são produzidos, consumidos e classificados, determinados bens sociais. (BOURDIEU, 1983: 89). Na medida em que a divisão social do trabalho vai se complexificando, certos domínios de atividade se tornam relativamente autônomos. No interior desses setores ou campos da realidade social, os indivíduos envolvidos passam, então, a lutar pelo controle da produção e, sobretudo, pelo direito de legitimamente classificarem e hierarquizarem os bens produzidos.

Cada campo de produção simbólica, segundo Bourdieu, constitui palco de disputa, entre dominantes e pretendentes, relativas aos critérios de classificação e hierarquização dos bens simbólicos produzidos e, indiretamente, das pessoas e instituições que a produzem. Esta luta estende-se aos critérios de classificação cultural. Assim se considera, os padrões superiores e/ou inferiores da cultura, distingue-se entre alta e baixa cultura, entre religiosidade e superstições, conhecimento científico e crenças populares, entre língua culta e fala popular.

Os indivíduos e instituições que representam as formas dominantes da cultura buscam manter sua posição privilegiada, apresentando seus bens culturais como superiores aos demais. É o que Bourdieu chama de “violência simbólica”. Aos dominados sobra a alternativa de reconhecer o status da dominação ou reagir. Esta posição é, no entanto, um ponto crítico no pensamento bourdieusiano, que se mostra cético em virtude de que as crenças, valores e tradições de cultura popular não constituem um sistema simbólico autônomo coerente, capaz de contrapor a cultura dominante, de forma efetiva.

O arbitrário cultural prevaleceria em virtude de que os indivíduos não perceberiam que os bens culturais tidos como superiores ocupam esta posição por terem sido impostos historicamente pelos grupos dominantes. Esta percepção, “natural” da dominação ocorre entre dominados e dominantes, em função da forma como se estrutura a dominação.

O capital cultural constitui-se do poder que o indivíduo adquire ao tomar posse da produção e apreciação ou consumo de bens culturais socialmente dominante. Assim se diz que o individuo que dominar um padrão de formação escolar dominante, adquire um capital cultural dominante.

A hierarquia entre bens simbólicos seria, segundo Bourdieu, uma base importante para a hierarquização dos indivíduos e grupos sociais. assim os indivíduos capazes de produzir, reconhecer, apreciar e consumir bens culturais tidos como superiores teriam maiores facilidades para alcançar ou se manter nas posições mais altas da estrutura social. as hierarquias acabam por reforçar a estrutura de dominação social na medida em que restringe a mobilidade social dos indivíduos.

A legitimação das estruturas de dominação social atribuído aos sistemas simbólicos tem papel fundamental no processo de reprodução, que se dá de forma eufemizada e dissimulada, das hierarquias e diferenças entre as classes e frações de classe. Para Bourdieu, os indivíduos tenderiam à naturalização do padrão hierárquico da cultura por reconhecê-la como superior, não percebendo a relação de dominação de classe. É um processo de transfiguração das hierarquias sociais em hierarquias simbólicas que permite a legitimação ou justificação das diferenças e hierarquias sociais.

Há uma correspondência, segundo Bourdieu, entre formas culturais e classes sociais que não são percebidas pelos agentes sociais, que tenderiam a ver como hierarquias culturais, o que são, de fato, relações de dominações. (Na fala de Black-out sobre a “ostentação da periferia” está presente tanto a percepção desta relação de dominação cultural estabelecida através do sistema simbólico, como a dissimulação do jovem que reproduz a estrutura por não perceber esta relação de dominação. Assim o jovem da periferia quer ter, possuir o mesmo status, e vai buscar no crime esta possibilidade.)



Quando os dominados aplicam àquilo que os domina esquemas que são produto da dominação ou, em outros termos, seus pensamentos e suas percepções estão estruturados em conformidade com as estruturas mesmas da relação da dominação que lhes é imposta, seus atos de conhecimento são inevitavelmente, atos de reconhecimento, de submissão. Porém, por mais exata que seja a correspondência entre as realidades, ou os processos de mundo natural, e os princípios de visão e de divisão que lhes são aplicados, há sempre lugar para uma luta cognitiva a propósito do sentido das coisas do mundo... A indeterminação parcial de certos objetos autoriza, de fato, interpretações antagônicas, oferecendo aos dominados uma possibilidade de resistência contra o efeito de imposição simbólica. (BOURDIEU. 2005:22)



Os atores sociais ao se verem inferiorizados pela dominação simbólica, sustentada pela estrutura social que a perpetua, estruturam reações à violência do sistema e seus agentes, isto é, àqueles que dão sustentação à dominação. Estas reações são, muitas vezes reproduções das ações do sistema canalizadas em práticas delituosas contra o próprio sistema e seus agentes. Práticas que nem sempre são racionalizadas, isto é, elas não dependem do controle da consciência para serem superadas.

O capital simbólico advindo desta relação de poder, concentra-se em favor das forças de dominação, que o reproduz, de modo a perpetuá-lo em seu poder. As relações de exploração e exclusão por que passam são ratificadas e ampliadas de tal modo, pelo sistema mítico-ritual, a ponto de torná-lo o princípio de divisão de todo o universo não sendo mais, para citar BOURDIEU, (2005:55), que a dessimetria fundamental, a do sujeito e do objeto, do agente e do instrumento, instaurada na relação que estes jovens têm com o sistema, a sociedade em geral, no terreno das trocas simbólicas, das relações de produção e reprodução do capital simbólico, cujo dispositivo central é o mercado da violência, que está na base de toda ordem social.

Segundo BOURDIEU (2003:17, 8), a experiência apreende o mundo social e suas arbitrárias divisões como naturais, evidentes, e adquire, assim todo reconhecimento de legitimação. É por não perceber os mecanismos profundos, tais como os que fundamentam a concordância entre as estruturas cognitivas e as estruturas sociais, e como tal, a experiência dóxica do mundo social, que os efeitos simbólicos de legitimação são imputados a fatores que decorrem da ordem da representação mais ou menos consciente e intencional “ideologia”, “discurso”, etc.

Libertar-se desse julgo de dominação, não é apenas uma questão de consciência, uma vez que este depende, em muito, das estruturas objetivas da realidade. Portanto, reproduzir a estrutura torna-se quase um imperativo a estes jovens (BOURDIEU, 2003: 52, 3). A consciência não é um dado meramente descrito pó um ‘viés’ intelectualista e escolástico, que nos leva a imaginar que a libertação ou transformação se dê por um “efeito automático” de uma tomada de consciência. É preciso considerar as estruturas do campo. “As disposições ‘hábitus’ são inseparáveis das estruturas que as produzem e as reproduzem e, em particular, de toda a estrutura das atividades técnico-rituais, que encontra seu fundamento último na estrutura de bens simbólicos” (id. 55).

O capital simbólico ao (re)produzir os agentes (re)produz as categorias que organizam o mundo social. (re)produz o jogo e seus lances, (re)produz as condições de acesso à reprodução social. “As disposições (hábitus) são inseparáveis das estruturas que as produzem e as reproduzem, tanto nos dominadores como nos dominados, e em particular de toda a estrutura das atividades técnico-rituais, que encontra seu fundamento último na estrutura do mercado de bens simbólicos.” (p.55).

Tanto dominados como dominadores contribuem para reproduzir a estrutura de dominação. Ambos são “prisioneiros, sem se aperceberem, vítimas da representação dominante.” (p. 63) “A estrutura impõe suas pressões aos dois termos da relação de dominação, portanto aos próprios dominantes, que podem disto se beneficiar, por serem, como diz Marx ‘dominados por sua dominação’.” (p. 85). A dominação não é, no entanto, algo que exige no mínimo que se justifique ou se defenda, ou algo de que é preciso se defender ou se justificar. (P. 106).





Georges Balandier e a naturalização das relações de poder.



Em seu livro, “Antro-pológicas”, BALANDIER (1976: 12) estabelecendo uma crítica quanto à forma como as Ciências Sociais construíram seus objetos de estudos, ou o conhecimento sobre eles. Afirma que, estas ciências, oscilam entre; “limitar o empreendimento científico à esfera das técnicas sociais, à atividade dos ‘engenheiros sociais’ que operam sob comando a fim de remediar os malogros e os desarranjos da sociedade.” E, à prática de um ‘esoterismo’, afastando-se da “ordem das realidades, substituindo-a por uma construção lógica, um edifício complexo de categorias, princípios, noções e conceitos ao qual só se pode ter acesso pela iniciação.”

Atender solicitações de poderes e ‘contrapoderes’, que se acomodam mal aos seus resultados quando não reforçam, necessariamente, sua posição e suas opções. “essa solicitação, nas sociedades em que as Ciências Humanas estão estabelecidas, pode traduzir-se em termos de ‘mercado’ o que, inevitavelmente, implica em competição, imposição de rótulos de Escolas e nalguma concessão aos consumidores do saber e, portanto, às ‘modas’.”

Este pesquisador vai afirmar que, voluntária ou involuntariamente, os cientistas sociais tornam-se produtores de sentidos, fabricam as visões do mundo atual. Assim acabam por propor uma “imagem transformada do homem e da sociedade”, não designando mais o homem no singular, porém, no plural, para dar conta de sua diversidade. Este tipo de ciência, além de fixar, alarga as fronteiras entre natureza e cultura. “Torna-se cada vez mais difícil negligenciar o que concerne à natureza do homem e ao fato de sua presença na natureza e, portanto, satisfazer-se com uma Sociologia e Antropologia d’alguma forma a-naturadas. A atualidade coage a essa revisão.” É então a isto que se propõe este pesquisador; estabelecer a redução das fronteiras entre Natureza e Cultura, que segundo ele está presente nas Ciências Sociais.

Para Balandier, as sociedades ‘expressam-se’ não apenas “através de suas produções simbólicas e ideais (sua cultura) e de suas produções materiais (sua tecno-economia), mas, também através da maneira pela qual condicionam a reprodução dos homens.” Esta seria uma primeira ruptura a ser feita. A segunda seria desfazer a oposição posta entre sociedades consideradas fora da história e as outras (as nossas). “Não existe sociedade que não se revele problemática em algum grau. “É por seus problemas, pela ameaça que torna improvável sua simples reprodução, que as sociedades mostram sua ‘verdadeira realidade’.” A Sociologia e a Antropologia têm cedido a um sócio-centrismo. Assim os conhecimentos produzidos pela Antropologia podem então tornar a Sociologia mais ‘operatória’ no estudo de nossa própria sociedade. Balandier vai procurar mostrar isto em dois capítulos da obra citada.

Dois aspectos são considerados fundamentais na obra de Balandier: a questão da ‘unidade’ da sociedade e a da ‘continuidade’ ou da reprodução das formas sociais e culturais. Este pesquisador vai considerar em sua obra três rupturas principais que delimitam as sociedades, designadas como ‘classes’, e que coexistem no seio de toda formação social: as fronteiras traçadas segundo os sexos, a idade e o sistema dominante de desigualdade. “Dessa maneira, consideram-se também, o jogo dos poderes desiguais e o sistema de poder que se impõe como instrumento da coesão global.”

Há, deste modo uma evocação à necessidade de estabelecer um maior embricamento entre cultura e natureza, que é defendido por Balandier. “Não se pode mais encontrar satisfação numa Sociologia e numa Antropologia de certo modo a-naturais.” Segundo ele, este embricamento “obriga a que se leve em conta a natureza do homem e a presença do homem na natureza. A fronteira erigida entre natureza e cultura está, atualmente, arruinada.” (Id. p 82).

O que nos parece a estas considerações propostas por Balandier, é que ele quer fundamentar uma teoria natural da dinâmica social. A se guiar pelos argumentos que se sucedem no transcorrer do texto citado, podemos perceber como este pesquisador se encaminha na idéia de que os antagonismos sociais de classes, as estruturas de poder possuem sua base, em última instância, numa estrutura natural. Balandier parece evocar uma imagem universal de Homem explicitando uma dualidade sexual possuída de rivalidades, que se apresenta naturalizadas, e nesta estrutura parece está fundamentado os antagonismos que justificam, segundo ele, as relações entre estrutura, poder e cultura. Aí, a dominação social, encontra seu fundamento, sendo ele, primeiramente, sexual, geracional mas, também de classe.

Segundo Balandier (Id. p. 21), as narrativas mitológicas atribuem lugar privilegiado à relação homens/mulheres. Esta, por sua vez, se apresenta em três momentos: nas narrativas da criação, como relação primordial (ligação de engendramento); nos modelos simbólicos sexualizados como explicação da ordem do mundo, a constituição da pessoa e da civilização; e no reconhecimento do caráter problemático de toda formação social.

Em todos os relatos míticos apresentados em seu texto, ressalta-se a bipolarização sexual, sempre conflituosa e antagônica. Esse dualismo é apresentado como constituindo um modo de explicação da realidade, um modelo que rege toda forma de convívio, uma relação sempre marcada por ambivalência: “ordem” e “desordem”.

O dado geral e básico, segundo Balandier, é que o sistema simbólico, ao afirmar este antagonismo sexualizado ratifica as relações sociais como relações de incertezas, uma vez que a relação homem/mulher é reproduzida na relação exogâmica, visto que na rede de trocas matrimoniais a mulher é dada a membro de um grupo rival. Aí encontra-se a origem do sistema social, nas relações que a sexualidade estabelece como portadora de tenções e oposições, segundo aquele pesquisador. Ao expor os modelos que exprimem as possíveis ligações dos sexos, as narrativas míticas, segundo Balandier, revelam também, as possibilidades que orientam as interpretações e as realizações da unidade social.

Os modelos são: (1) fusão, representada pela figura do andrógino; (2) de complementaridade por origem comum, representado no casal de gêmeos de sexos opostos; e (3) de aliança das diferenças, representado pelo casal mítico unindo ‘homem e mulher’. O primeiro anula a diferença, o segundo afiram a unidade inicial, e o terceiro designa a unidade como criação e ordem vulnerável. Este último é efetivamente o que rege a sociedade deixando a nostalgia dos modelos anteriores, menos problemáticos, utópicos ou ideais. Este é o modelo pelo qual Balandier busca justificar as relações de poder, cultura e estrutura.





Conclusão.


Como pode ser visto, não é uma tarefa fácil estabelecer um diálogo entre estes três teóricos, sobretudo pelo antagonismo evidente em suas análises. Tomando o Balandier como ponto de partida, poderíamos dizer que sua tentativa de “romper” com as fronteiras, que segundo ele, foram fixadas pelas pesquisas sociais, entre cultura e natureza, é uma perspectiva que nos parece, a primeira vista, fatalista; uma vez que não oferece alternativas à superação dos antagonismos das relações de poder presentes na estrutura social.

Parecendo assim, uma visão equivocada na medida em que sob o invólucro da crítica, procura desconstruir aquelas posições que busca nas construções simbólicas e na cultura a chave para o entendimento das sociedades. Afirma Balandier, que estas realidades não diz tudo de uma sociedade, ao mesmo tempo, reivindica o “mito”, uma construção simbólica, como fundamento para a visão “naturalista” que pretende fundar, não deixando claro o seu reconhecimento dos mitos como uma construção simbólica, possuidora de base histórica e que, até certo ponto pode-se afirmar, sem correr o risco de “forçar a barra”, com um fundamento concreto, na medida em que os mitos procuram explicar um fato social concreto. Não diria que os mitos sejam ideologias, talvez abstrações com base concreta. Uma construção simbólica, portanto cultural, não destituído de uma “historicidade”, esta subjetivada. Os antagonismos sexualizados presentes nos relatos mitológicos, não seriam, deste modo, naturais. Mas culturais, portanto histórico e social.

Em sua elaboração teórica, Balandier, ao tratar da estratificação social, apresenta uma contestação às teorias que tentam uma concepção unitarista e universalista das classes. A teoria do conflito, por exemplo, cujo pano de fundo é a revolução industrial, mas foi apreendida como uma teoria unitária da estratificação.



Toda interpretação unitária, no estado atual do saber sociológico, corre o risco de conferir ampla validade a uma elaboração de aplicação restrita. Foi o que aconteceu desde o momento em que se admitiu o uso universal da noção de classe, quando essa noção procede essencialmente de uma interrogação da sociedade industrial e de suas recentes transformações. Nesse terreno, a atitude relativista – portanto, pluralista – permanece a única capaz de ser cientificamente fundamentada (Balandier, Op. Cit. p. 131).



Neste ponto, nossos autores não parecem estar tão distantes, embora diferenciem-se em alguns pontos. Bourdieu, por exemplo, ao defender a necessidade e legitimidade de se introduzir no léxico da sociologia as noções de espaço social e de campo de poder, vai dizer que isto se justifica pela necessidade de se romper com a tendência de se pensar o mundo social de maneira substancialista. “A noção de espaço contém, em si, o princípio de uma apreensão relacional do mundo social. ela afirma, de fato, que toda a ‘realidade’ que designa reside na exterioridade mútua dos elementos que a compões.” (BOURDIEU. 1996: 48).

A substancialização das categorias sociológicas, como as ‘classes sociais’ supõem uma postura teórica onde se descarta a relativização do saber construído. Para Bourdieu, não é papel das ciências sociais, por exemplo, criar classes sociais.



O problema da classificação, que toda a ciência enfrenta, só se coloca de modo tão dramático para as ciências do mundo social porque se trata de um problema político que, na prática, surge na lógica da luta política todas as vezes que se quer construir grupos reais, por meio da mobilização, cujo paradigma é a ambição marxista de construir pó proletariado como força histórica.” (Id. p. 49).



Segundo Bourdieu, a existência das classes sociais pode ser negada sem, contudo, se negar o elemento essencial do discurso que é “a diferenciação social”, que pode gerar antagonismos individuais e, às vezes, enfrentamentos coletivos entre os agentes situados em posições diferentes no espaço social.

As Ciências Sociais ao construir “espaços sociais” devem, em cada caso, “construir e descobrir o princípio de diferenciação que permite reengendrar teoricamente o espaço social empiricamente observado.” Bourdieu chama a atenção para o fato de que o “princípio da diferenciação” não possui características genéricas ou universais. “Nada permite supor que esse princípio de diferenciação seja o mesmo em todas as épocas e em todos os lugares.” Segundo Bourdieu, com exceção das sociedades menos diferenciadas, todas as sociedades se apresentam como espaços sociais, isto é, “estrutura de diferenças”, que não podemos compreender verdadeiramente a não ser construindo o princípio gerador que funda essas diferenças na objetividade. Princípio que é o da “estrutura da distribuição das formas de poder ou dos tipos de capitais eficientes no universo sociais considerado – e que variam, portanto, de acordo com os lugares e os momentos.”

Para Bourdieu, essa estrutura não é imutável e ainda,



a topologia que descreve um estado de posições sociais permite fundar uma análise dinâmica de conservação e da transformação da estrutura da distribuição das propriedades ativas e, assim, do espaço social global como um campo, isto é, ao mesmo tempo, como um campo de forças, cuja necessidade se impõe aos agentes que nele se encontram envolvidos, e como um campo de lutas, no interior do qual os agentes se enfrentam, com meios e fins diferenciados conforme sua posição na estrutura do campo de forças, construindo assim para a conservação ou a transformação de sua estrutura. (Id. p. 50).



A noção de “campo de poder” é criada por Bourdieu para dar conta de efeitos estruturais, isto é, certas propriedades práticas, assim como representações, como a dupla ambivalência em relação ao “povo” e ao “burguês” encontrado, segundo este autor, entre escritores e artistas com posições diferentes no campo.

O “campo de poder” é o espaço de relações de forças entre diferentes tipos de capitais para poderem dominar o campo correspondente e cujas lutas se intensificam sempre que o valor relativo dos diferentes tipos de capitais é posto em questão. O campo de poder, por sua vez, não pode ser confundido, como afirma Bourdieu, com campo político.

Segundo ele, a dominação não é o efeito direto e simples da ação exercida por um conjunto de agentes “a classe dominante” investida de poderes de coerção, mas o efeito indireto de um conjunto complexo de ações que se engendram na rede cruzada de limitações que cada um dos dominantes, dominados assim pela estrutura do campo através do qual se exerce a dominação, sofre de parte de todos os outros.

Sem, contudo rotularmos, Foucault, parece-nos querer fugir a tradição estruturalista buscando na arqueologia e na genealogia dos conceitos a desmistificação dos saberes e das instituições como referências dos saberes, que no dizer de Deleuze, constitui o muro que todo saber provindo das massas necessitam romper. Para Foucault (1990: 71), os intelectuais descobriram que as massas não necessitam deles para saber;



elas sabem perfeitamente, claramente, muito melhor do que eles; e elas dizem muito bem. Mas existe um sistema de poder que barra, proíbe, invalida esse discurso e esse saber. Poder que não se encontra somente nas instâncias superiores da censura, mas que penetra muito profundamente, muito sutilmente em toda a trama da sociedade.



A cultura assim como o poder, parece dês(referenciados) e fragmentados. Eles acontecem ou são gerados nas micro-relações. O poder não é uma instância localizada nos domínios do Estado. Não está centrado aí. Estas realidades, o saber e o poder, se afirmam como acordo tácito nas relações sociais.

Sobre o papel da teoria, Foucault afirma ser ela “um instrumento de combate”. Uma espécie de discurso, ou contra-discurso, expresso contra o poder, por aqueles que são chamados delinqüentes, não sendo uma teoria da delinqüência. O discurso nesta abordagem se constitui um espaço de inversão de valores, contra toda teoria. É a possibilidade de saída aos oprimidos pela racionalidade técnica.



Referências Bibliográficas.

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[1] Filósofo e Antropólogo – Professor Doutor, título obtido no PPGA/UFPE. Professor de Filosofia e Antropologia da Universidade de Pernambuco – FACETEG (Faculdade de Ciências, Educação e Tecnologia de Garanhuns).

[2] Id. p.64.

[3] DURKHEIM, E. L’évolution pédagogique en France. Apud. BOURDIEU. Pierre. Op. Cit. p. 66.


extraido de http://www.orfeuspam.com.br/Periodicos_JL/Dialogos/Teo_Poder_Adjair.htm
(Revista de Estudos Culturais e da Contemporaneidade - ISSN: 1980-3060) em 30/06/2010 as 13.27

segunda-feira, 28 de junho de 2010

GEORG SIMMEL: DINHEIRO, A SOLIDEZ DO EFÊMERO


Heinz Stecher
Uma brevíssima biografia
Nascido em 1858, na esquina da Leipziger com a Friedrichstrasse, num cruzamento de denso trânsito e em meio à propaganda neon, Simmel passou os primeiros anos de sua vida no coração vibrante de uma metrópoleem surgimento.1 O seu filho Hans lhe atribui as seguintes palavras: "o desenvolvimento de Berlim, de uma cidade grande para uma metrópole na virada do século 19, coincide com a fase de meu desenvolvimento pessoal mais nítido e abrangente" (Frisby, P.1984:35).
Georg Simmel nasceu como o primeiro de sete filhos de Eduard Simmel e Flora Bodstein, que depois de casados se mudaram de Breslau para Berlim, onde Eduard Simmel fundou uma fábrica de chocolates. Eduard era judeu, mas nos anos 30 se converteu ao catolicismo. Georg Simmel viveu em Berlim, onde se casou em 1890 com Gertrud Kinel, autora de alguns livros filosóficos sob o pseudônimo de "Maria Louise Enckendorf".
Em termos formais, a vida profissional de Simmel não foi bem sucedida. Em 1881 ele tentou o doutorado com um trabalho sobre "Estudos psico-etnológicos sobre as raízes da música" e foi reprovado. Tanto o tema quanto o seu estilo não foram bem recebidos e um dos avaliadores julgou o trabalho "de caráter demasiado aforístico para ser uma pesquisa científica" (Jung, 1990, p.14). Finalmente, Simmel conseguiu a aprovação para o doutorado com o trabalho "A natureza da matéria segundo a monadologia física de Kant" pela Universidade de Berlim. Quando fez o pós-doutorado, Simmel também teve que enfrentar problemas. Sua dissertação sobre a teoria kantiana do espaço e tempo foi aprovada, mas Simmel provocou um escândalo no momento da sua defesa quando colocou-se em oposição a um Doutorando em Filosofia e Ciêncis Sociais pela Universidade Livre de Berlim. Como fonte para as informações biográficas nos baseamos em Jung,1990. dos seus avaliadores. Ele rejeitou a teoria de Zeller que sustentou a localização da alma humana na meninge (Jung, 1990, p.14).
Apesar do sucesso como docente na Universidade de Berlim e de sua ampla atividade publicitária, incluindo diversas traduções do francês e inglês, Simmel não logrou a estabilidade de emprego nem o cargo de professor titular. Segundo Dahme (1993, p.49), Wilhelm Dilthey, primeiro professor titular da faculdade de filosofia daquela universidade, teve um importante papel neste episódio. Para Dilthey, a sociologia cheirava a socialismo e um dos nomes mais destacados desta nova disciplina era o de Simmel. Um outro acadêmico, o historiador berlinense Schäfer, fez uma avaliação de Simmel,quando este último participou num concurso para professor de filosofia daUniversidade de Heidelberg, nos seguintes termos: "Ele fala muito espaçado, as palavras saem como gotas. Ele oferece pouco conteúdo mas bempreparado e arredondado. Isto é bem recebido em determinados e, por vezes, numerosos grupos aqui em Berlim. As suas palestras são assistidas por um, mesmo para Berlim, grande contingente de mulheres. Além disso, o público oriental, os aqui residentes e os que chegam a cada semestre como os novos estudantes dos países orientais, representam um outro grupo muito grande chegado a Simmel. A maneira dele se assimila ao gosto deste público. Não se leva muita coisa positiva de suas palestras, mas um ou outro estímulo, uma ou outra provocação e um prazer intelectual transitório, sempre são bem vindos" (cit. conforme Jung, 1990, p.15-16). Schäfer encerra o seu "laudo" com a recomendação de que não seja oferecida ainda mais espaço a visão de mundo defendida por Simmel e contrária à "nossa formação clássica-cristã" , além do que este espírito já tem na universidade (Jung, 1990, p.15-16).
Preconceitos religiosos, raciais e de género, tanto quanto o fantasma do socialismo que espanta o sistema universitário prussiano, contribuem para que somente em 1914, na idade avançada de 56 anos, Simmel seja chamado a ocupar uma cadeira de professor titular na Universidade de Strassburg. "Daqui nada de especial, a universidade deserta..." escreve ele em 1915 para Rickert, manifestando o seu isolamento intelectual naquele lugar periférico de Strassburg (Jung, 1990, p.21). Em 1918 Simmel morre de câncer no fígado.
Um dos primeiros biógrafos de Simmel divide a sua obra em 3 fases.
A primeira, influenciada pelo pragmatismo (Spencer) e a teoria da evolução; uma fase intermediária, da "Filosofia do Dinheiro" (1900), com fortes referências em Kant e um Simmel muito atraído pela sociologia; e finalmente, uma terceira, da filosofia da vida e de um protagonista entregue a uma nova metafísica (Jung, 1990, p.23). Esta periodização grosseira é perpassada por experiências de vida, enfoques temáticos e metodológicos muito particulares.
A experiência da vida urbana, com seu ritmo acelerado principalmente na virada do século, é fundamental para a sua obra.
A cidade
O nome de Georg Simmel está associado primeiramente à sociologia urbana. Com toda a razão! A cidade, e num sentido mais exato, a capital do Reich na virada do século, Berlim, foi o ambiente do qual emergiu G. Simmel.
Esta cidade foi, ao mesmo tempo, a forma concreta da modernidade, que provocou e estimulou o seu pensamento. A cidade grande era, para Simmel, a essência da vida moderna, o lugar do transitório, do fugitivo, do efêmero, um lugar dinâmico, no qual se vivia mais, porque se vivia mais rápido. Ao mesmo tempo, a cidade grande é o espaço onde a luta de resistência do indivíduo (ou seja, da vida) contra a sociedade ganha os seus mais claros contornos: no subjetivismo exagerado, no distanciamento um dos outros e no medo do contato com o outro, na tentativa de se destacar e se fazer notar, no esnobismo. É o lugar do neurastênico! O estímulo permanente torna-se remédio contra a total indiferença. A sede por diversões torna-se cada vez mais insaciável. "A carência espiritual por algo definitivo leva as pessoas a procurarem sempre em novos estímulos, sensações, atividades superficiais, uma satisfação momentânea. Mas, com isto, nos envolvemos cada vez mais numa agitação sem fim, que se manifesta ora no tumulto da metrópole, ora como mania por viagens, ou na corrida desesperada pela concorrência.
Revela-se, em outros momentos, como a específica infidelidade moderna nos campos do gosto, do estilo, da postura intelectual, nas relações conjugais" (Simmel, 1989, p.551). Com tudo isso, Simmel não vê a cidade "como fato espacial com efeitos sociológicos, mas como fato sociológico, que se formou espacialmente" (Simmel, 1903b, cit. em Frisby, 1984, p.41-42). A vida da cidade se baseia na economia do dinheiro. Convém destacar, neste contexto, que os estudiosos de Simmel entendem o seu artigo de 1903 "As Cidades Grandes e a Vida Espiritual" (Simmel, 1903a) como resumo da parte sintética de uma de suas obras primas, a "Filosofia do Dinheiro".
A economia do dinheiro
O dinheiro ocupa na obra de G. Simmel um lugar de destaque. Para ele, não é o capitalismo mas a economia do dinheiro que determina as relações sociais na sociedade moderna. Simmel separa o novo do velho a partir do dinheiro. Tönnies o faz contrapondo os conceitos de comunidade e sociedade. Durkheim distingue a solidariedade orgânica da mecânica e Weber diferencia as sociedades tradicionais das que se baseiam no racionalismo ocidental moderno.
Se, nas suas formas diversas, o dinheiro foi historicamente limitado e encaixado nas instituições religiosas e sociais, ele tende, na moderna economia do dinheiro, a dissolver as instituições tradicionais e as relações sociais e a movimentar os indivíduos.
"Quando entendemos, de forma geral, por liberdade o não-depender da vontade dos outros, então esta liberdade começa com a independência da vontade de "determinados" outros. Não-dependente é o colono isolado das selvas germânicas e americanas; independente, no sentido positivo da palavra, está o homem moderno da cidade grande, que, sem dúvida, precisa de um sem número de fornecedores, trabalhadores e colaboradores sem os quais não conseguiria sobreviver, mas que se relaciona com eles numa forma absolutamente objetiva e exclusivamente mediada pelo dinheiro" (Simmel, 1989, p.400). Neste contexto, a relação monetária conecta estreitamente o indivíduo com o grupo como um todo abstraio, mas coloca-o na mesma dimensão dos objetos, dissolvendo-o como personalidade própria (Simmel, 1989, p.393f.). Quer dizer, o dinheiro relaciona os indivíduos entre si, suprimindo ao mesmo tempo seu específico, sua personalidade. O dinheiro separa o lado econômico da personalidade integral. "Neste sentido, entendemos o efeito do dinheiro como atomizador, como um processo individualizador por dentro da personalidade (humana). Assim, a tendência global da sociedade extrapola para dentro do indivíduo..." (Simmel, 1989, p.462). Em sociedades pré-monetárias, o indivíduo depende diretamente do seu grupo. Agora, ele "carrega consigo o direito ao apoio e aos serviços dos outros, de forma condensada, como potencial", em dinheiro (Simmel, 1989, p.463).
Dinheiro - objetivismo e relativismo
O dinheiro cria entre sujeitos e objetos uma "desconexão objetiva" e na relação inter subjetiva, uma "desconexão pessoal". Em ambos os casos, uma nova relação se reconstrói a partir dele. Para Simmel, associações tornamse, no âmbito da economia do dinheiro, meras associações instrumentais, motivadas pelo interesse do lucro, quando estas mesmas associações antigamente atendiam a interesses múltiplos: econômicos, religiosos, políticos e familiares (Simmel, 1989, p.464ss.).
O pensamento humano se transforma na medida do avanço da economia do dinheiro: passa do singular para o universal, do qualitativo para o quantitativo, do substancial para o relativo (Simmel. 1989, p.171-172).
"Uma hipótese sustenta que o dinheiro preparou, para não dizer determinou, o pensamento cientifico, na medida em que permitiu uma visão estritamente formal das coisas e demostrou que objetos diversos poderiam ser comparados e medidos a partir de diferentes ângulos, abstraindo totalmente do seu conteúdo e de suas particularidades" (Boudon, 1993, p.134-135).
Segundo Simmel, o dinheiro instala o nominalismo. "Enquanto o dinheiro oferece um modelo concreto da realidade, cuja essência é meramente 'relacional', ele facilitou de fato a passagem do substancialismo para o relativismo e o nominalismo, tão caraterísticos da modernidade" (Boudon, 1993, p. 137).
A troca é uma ação recíproca que constitui a sociedade. O dinheiro surge a partir da troca, e é, como considera Frankel, de suma importância que este contexto inclua o fator subjetivo, a avaliação individual (Frankel, 1972, p.24). A teoria subjetiva de valor de Simmel inspirou-se na escola vienense da teoria marginal, principalmente em C. Menger. Segundo ele, a economia se fundamenta na troca e não na produção. Valor e troca estão numa relação recíproca e a economia é um caso particular da forma virtualuniversal da troca. A troca é fonte de valor econômico (veja Frisby, 1984, p.52). Esta visão se contrapõe â do marxismo, que define todo valor a partir da produção. "Precisamos ter clareza que a maioria das relações interpessoais podem ser vistas como relações de troca. Assim, são, ao mesmo tempo, formas de pura e eminente ação recíproca, que constituem em si a vida humana..." (Simmel, 1989, p.59).
De meio a fim - o dinheiro onipotente
O papel do dinheiro neste processo recíproco é o papel de mediador. Dinheiro toma-se, por definição, o meio obrigatório para o estabelecimento de um sistema de produção e de sociedade baseado na divisão do trabalho. À medida em que penetra, como meio, todas as esferas da vida, mediando nas "cadeias teleológicas crescentes" para conciliar os fins, ele eleva-se para ser o meio dos meios. A cadeia de meios que leva a um fim toma-se, numa sociedade complexa de ampla divisão de trabalho, cada vez mais longa. Com isto, surge uma visão abstraía de fim e meio e a pergunta sobre o fim final emerge cada vez com mais força perante "a dispersão e o caráter fragmentar da cultura" (Simmel, 1989, p.489-490).
"O importante, entretanto, é que o dinheiro é percebido em toda parte como fim e, com isso, muitas coisas que têm o seu fim em si mesmos são rebaixados a simples meios. Ao mesmo tempo que o dinheiro, por definição, é o meio, os conteúdos da existência se colocam num profundo contexto teleológíco sem começo e sem fim" (Simmel, 1989, p.593).
O dinheiro é um objeto transigente, mas, por ser totalmente vazio, apenas um símbolo, toma-se, ao mesmo tempo, o objeto mais inflexível. Em comparação com outros objetos sobre os quais o ego se estende – toma posse -, o dinheiro pertence de corpo e alma ao indivíduo; não lhe oferecendo a resistência existente nos demais objetos, porque nem corpo nem alma tem:
"na medida em que ele, sem restrições, nos pertence, nada mais podemos extrair dele" (Simmel, 1989, p.437).


Movimento e tempo
O dinheiro tem na distância a sua analogia espacial e no tempo a sua temporal. A vida original (primitiva) está marcada pelo ritmo e pela periodicidade: cópula, ciclo agrícola, etc. O ritmo é o primeiro elemento na música primitiva. A partir do momento em que se pode comprar tudo e a qualquer momento com dinheiro, o indivíduo se libera do ritmo. Os elementos de recorrência e diferenciação que estão presentes no ritmo se dissociam. Ao mesmo tempo, o dinheiro influencia o ritmo da vida: "Quanto mais profundas forem as diferenças do conteúdo da imaginação – mesmo considerando uma mesma quantidade de idéias - numa unidade de tempo, mais se vive, mais se avança no eixo da vida. O que sentimos como tempo de vida é o produto entre soma e profundidade de suas mudanças" (Simmel, 1989, p.696).
Por um lado, o dinheiro provoca constantes mudanças nas propriedades particulares. Por outro lado, a inflação acelera a velocidade destas mudanças. Como os preços e bens são atingidos de forma diferenciada pela inflação, ela exerce um efeito particularamente "estimulante" sobre os sujeitos econômicos. "A desproporcionalidade no aumento dos preços leva a que determinados grupos de pessoas e profissões sejam especialmente beneficiados e outros prejudicados. Em tempos históricos isso acontecia com os camponeses. No final do século 17, o camponês inglês, sem conhecimentos e sem meios, como ele era, foi literalmente espremido, entre as pessoas que lhe deviam e o pagavam apenas o valor nominal, e as que ele devia dinheiro e o exigiam a peso de ouro" (Simmel, 1989, p.702).
Pelo fato do dinheiro só realizar sua função através do ato de ser repassado, ele é o símbolo mais autêntico do caráter absolutamente transitório do mundo moderno. O tempo torna-se um bem caro. O símbolo mais preciso da relação entre tempo e dinheiro é a bolsa de valores: "Esta dupla condensação - dos valores em forma de dinheiro e do trânsito monetário em forma de bolsa de valores - possibilita que os valores passem, num tempo mínimo, pelo maior número de mãos" (Simmel, 1989, p.707). A bolsa é, constitucionalmente falando, ao mesmo tempo o lugar de maior agitação econômica. Dinheiro é "actus purus", contraponto e negação de qualquer qualidade intrínseca dos objetos.
Aspectos metodológicos
W. Benjamin caraterizou Simmel, em um artigo para uma enciclopédia sobre filósofos judeus, da seguinte forma: "A sua dialética característica está a serviço da filosofia da vida. Ela procura um impressionismo psicológico, que, adversário de sistemas, se dedica à compreensão profunda de manifestações e tendências espirituais particulares... A filosofia de Georg Simmel já antecipa a passagem de uma filosofia formai e catedrática para uma outra, poética e ensaística". Simmel dedica sua atenção a fenômenos particulares. "A totalidade não é ponto de partida, mas objeto da análise" (Frisby, 1984, p.22). Nas particularidades da vida procura-se a totalidade do seu sentido. "Neste contexto, segue-se a mesma metodologia que a arte, a qual - se colocando a cada hora um problema bem definido: o homem, a paisagem, um sentimento -, se contrapõe à filosofia, que sempre procura explicar a totalidade do ser" (Frisby, p.23).
Lukács, num artigo escrito em 1918 e recentemente publicado em português, evoca a Simmel como "o verdadeiro filósofo do impressionismo".
“ Todo impressionismo é, em sua essência, uma forma de transição e, a esse título, rejeita o fechamento, a modelagem final imposta pelo destino ou impondo-se a ele ..." (Lukács, 1993, p.203). Isto reverte na filosofia de
Simmel numa pluralidade das enunciações filosóficas que "é, para ele, o objetivo final e um fim em si, não o meio de dar à luz um sistema diversamente organizado, mas ainda assim unitário. Fez-se frequentemente de Simmel um relativista por causa dessa tendência pluralista, não sistemática, de seu pensamento. Erradamente, na minha opinião. Porque o sentido do relativismo está em pôr em dúvida a validez absoluta das possíveis enunciações particulares (por exemplo, da ciência ou da arte), e permanece, a esse título, totalmente independente da questão de saber se nossa imagem do mundo é monista ou pluralista. Simmel, ao contrário, prende-se ao caráter absoluto de cada enunciação, considera-as todas como necessárias e incondicionais, só que não crê que possa haver uma tomada de posição a priori diante do mundo que abraçasse realmente a totalidade da vida" (Lukács, 1993, p.205-206).
Simmel aplica a perspectiva estética como forma de percepção: "Quando pensamos na possibilidade deste aprofundamento estético, passa a não mais existir qualquer diferença no grau de beleza das coisas. A visão do mundo torna-se panteísmo estético - cada ponto contém o potencial para a salvação estética absoluta, de cada partícula brilha, para quem sabe ver, a beleza completa, o sentido vasto do mundo total" (Simmel, 1992, p.199). O pensamento de Simmel se desenvolve a partir de analogismos. Para captar e ressaltar as formas mais modernas da vida ele emprega um instrumental teórico dos tempos "metafísicos". M. Weber critica em Simmel este método analógico que confundiria e causaria a irritação dos seus colegas contemporâneos. De forma que "o economista conceituado joga o livro [A Filosofia do Dinheiro] com raiva pela janela, concluindo assim sua avaliação" (Weber citado em Nedelmann ,1988, p.16).2
Atrás desta crítica se esconde a consternação sobre o procedimento metodológico de Simmel que não é dedutivo-categorial mas indutivo e sensível para com os fenômenos da vida cotidiana. No mínimo surge, neste contexto, a suspeita do "esteticismo", e o próprio Weber o deixou bem claro, quando ressalta a forma brilhante do estilo de Simmel, sua sensibilidade, inspiração e originalidade, todos termos aplicáveis a um artista, mas muito problemáticos, no seu tempo, para um cientista (Nedelmann , 1988, p.17).
Para captar a realidade complexa que surge a partir da economia monetária, Simmel se apoia principalmente no conceito de ação recíproca. A compreensão teórica de Simmel tem como pressuposto que os "organismos sociais se constituem a partir da presença de forças ambivalentes ou dualísticas" (Nedelmann, 1984, p.92). Na ação recíproca destacam-se três componentes básicos:
- a relacionalidade;
- a contraditoriedade imanente;
- a circulariedade.
Como relacionalidade entende-se o estudo de objetos e indivíduos sob o ângulo da relação estabelecida entre eles. Neste sentido, ressalta-se as características relacionais dos fenômenos sociais e não as substanciais.
Numa comparação entre cidade grande e cidade pequena, Simmel define contextos diferentes para o desenvolvimento de ações recíprocas: "Enquanto a cidade pequena se caracteriza por um número reduzido de ações recíprocas demoradas e pouco intensivas, os indivíduos da cidade grande se confrontam com um número maior de ações recíprocas, rápidas mas intensivas" (Nedelmann, 1984, p.93). Para Simmel, os "processos moleculares primários da vida" (p.ex. o olhar das pessoas, o ciúme, a correspondência via cartas, o jantar entre amigos) são aqueles processos "que sustentam a elasticidade e a rigidez, a diversidade e a unidade desta vida social tão concreta e misteriosa" (Nedelmann, 1984, p.95). Por outro lado, surgem destes processos primários da vida as formas sociais e com elas a tensão entre vida e forma. A vida dos indivíduos depende, para realizar-se, das relações recíprocas, mas neste processo são criadas formas sociais que tendem a desenvolver uma autonomia, uma dinâmica própria. Surge uma contradição fundamental entre vida e organismos supra-individuais, quando os últimos se enrijecem e o único texto de Weber que faz referência explicita a Simmel foi primeiro publicado em Levine 1972 p. começam a conspirar contra os impulsos mais imediatos. Em outras palavras, a cultura objetiva, com suas instituições e objetos, começa a se sobrepor â cultura subjetiva. Mas isto, em princípio, não acontece de forma unidirecional.
O desenrolar da ação recíproca acontece, segundo Simmel, de forma circular. "Quando o efeito que um elemento exerce sobre um outro torna-se causa deste e, ao mesmo tempo, este segundo reflete de novo sobre o primeiro, que, por sua vez influenciado, torna-se de novo causa reflexiva sobre o outro, de forma que o jogo recomeça novamente, então encontramos neste esquema o real ilimitado da ação. A iminência do real que não tem limite se compara à figura do círculo" (Simmel, 1989, p. 120-121). Destacando este caráter circular do processo, Simmel se coloca em oposição ao pensamento linear de causa e efeito.
Ele tem em comum com outros sociólogos clássicos um pensamento estrutural voltado para antagonismos, dualismos e ambivalências. "Porém, comparado, por exemplo, com Max Weber, Karl Marx ou Emile Durkheim,
Simmel é visto dentre os sociólogos clássicos, como aquele cuja sensibilidade para com os dualismos e ambivalências imanentes é mais nítida e quem os explorou de forma mais consequente para a análise das relações sociais" (Nedelmann, 1984, p.97). Simmel avança para uma espécie de "pensamento empírico radical" (Nedelman, 1984, p.98), que nem sempre dissolve o antagonismo numa síntese. O seu pensamento se torna "dialética sem reconciliação" (Nedelman, 1984, p.98) com a intenção básica de "incorporar no espaço reflexivo, procedimentos e posturas conhecidos e experimentados na vida cotidiana, mas rejeitados no pensamento teórico.
Manter contradições, fugir de antinomias, suspender decisões, é tão necessário na vida cotidiana, quanto mal visto na teoria" (Ritter ,1976, p.16).

Alguns elementos para concluir
Quando Simmel se dedica a fenômenos particulares da vida moderna, ele consegue, ao mesmo tempo, retratar a complexidade da vida e situar os fenômenos particulares dentro de um pensamento processual (aberto) que evita as predeterminações. A partir do conceito da ação recíproca é possível captar os mais variados elementos da realidade, determinando assim os elementos moleculares e as suas formas relacionais. Com isso, ele vai além da análise das grandes formas como estado, família, igrejas, castas e classes, dando, ao mesmo tempo, vida a estas formas estruturais que constituem a sociedade unicamente na medida em que ficam intercalados com as formas relacionais primárias (Nedelmann, 1988, p.19). Conviver com contradições, não tomar determinadas decisões, demostrar como as ações se desenvolvem num processo recíproco, num vai e vem, destacar a circularidade, tudo isso faz parte de uma metodologia de abertura radical.
Assim, as formas empíricas da vida não estão sujeitas de antemão a categorias limitantes. Por isso, Simmel consegue, com grande sensibilidade, vislumbrar os fenômenos que surgem, no seu lugar preferido; na cidade grande, na passagem para a modernidade, como fenômenos de uma sociedade de massas.
Por fim, sua análise específica do dinheiro oferece inúmeros pontos de referência para ampliar e aprofundar conceitos como confiança monetária e inflação. Sua "Filosofia do Dinheiro" é uma obra chave para a compreensão da sociedade moderna de mercado, que surgiu da destruição das relações interpessoais e comunitárias características das sociedades agrárias e feudais. A modernidade se caracteriza por um sistema social novo mas igualmente consistente, mediado pelo dinheiro e de caráter objetivo que distancia os sujeitos entre si. O que interessa Simmel no dinheiro não são os aspectos econômico-monetários, mas o seu potencial de transformação cultural e social, mais concretamente o seu efeito sobre os indivíduos e a vida como um todo. Por isso ele afirmou, na abertura de sua "Filosofia do Dinheiro", que nenhuma linha daquela obra deveria ser tomada num sentido estritamente econômico (Simmel, 1989, p.11).
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JUNG, Wener 1990 George Simmel zur Elnführung. Hamburg.
KINTZELÉ, Jeff, SCHNEIDER, Peter (orgs.) 1993 Georg Simmel philosophie des Geldes. Frankfurt a. M.
LEVINE, Dinald N. 1972 Georg Simmel as sociologist. By Max Weber. Social Research, [si], v.39, n.1, p. 155-163.
LUKÁCS, Geog. 1918/1993 Posfácio à memória de G. Simmel. In; SIMMEL, 1993. p.201 -209.
MORAES FILHO, E. (org.) 1983 Simmel - sociologia. São Paulo
NEDELMANN, Birgitta 1984 Georg Simmel als klassiker soziologischer prozeganalysen. In:
DAHME/RAMMSTEDT, 1984, p.91-115
NEDELMANN, Birgitta. 1988 Psychologismus oder soziologie der emotionen? Max Webers kritik an der soziologie
George Simmel. In: RAMMSTEDT, p.11-35. RAMMSTEDT, Otthein (org.)
1988 Simmel und die fruhen soziologen. Nähe und Distam zu Durkheim, Tönnies und Max Weber Frankfurt a. M.
RITTER, Henning. 1976 Aus der diskussion. Zu Michael Landmann: Georg Simmel: konturen seines Denkes: In: BÔHRINGER UND GRÚNDER.
SIMMEL, Georg. 1903a Die groostadte und das geistesleben. Jahrbuch der Gehe-Stiftung, 9, jg.
SIMMEL, Georg. 1903b Soziologie des Raumes. Jahrbuch fur Gesetzgebung und Vokswirtschaft, 27 jg., P.21-71
SIMMEL, Georg. 1989-1900 Philosophie des Geldes, gesamtausgabe Band 8. Frankfurt a. M.
SIMMEL, Georg. 1992-1896 Soziologische Aesthetik. In; SIMMEL, Georg. Anfsatze und abhandlungen 1994-1900. Gesamtausgabe Bd.5. Frankfurt a. M. p. 197-214.
SIMMEL, Georg. 1993 Filosofia do Amor. São Paulo Cad. CRH., Salvador, n.22, p. 185-191, jan/jun. 1995

sexta-feira, 25 de junho de 2010

PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DA CANARINHO

EU ANDO DORMINDO NOS DIAS DOS JOGOS...RSRRS..TO SEM ESPERANÇA E ENTUSIASMO, ACHO QUE A GENTE NÃO LEVA. LEGAL MESMO ATÉ AGORA FOI O DUNGA MIJAR NA GLOBO! RSRSRSRS....
NINGUÉM MELHOR DO QUE O MARAVILHOSO CARLOS DRUMONND PRA FALAR DE SELEÇÃO, ENTÃO COM VOCÊS O SERMÃO DA PLANÍCIE

Sermão da Planície (para não ser escutado)




- Bem-aventurados os que não entendem nem aspiram a entender de futebol, pois deles é o reino da tranquilidade.

- Bem-aventurados os que, por entenderem de futebol, não se expõem ao risco de assistir às partidas, pois não voltam com decepção ou enfarte.

- Bem-aventurados os que não têm paixão clubista, pois não sofrem de janeiro a janeiro, com apenas umas colherinhas de alegria a título de bálsamos, ou nem insto.

- Bem-aventurados os que não escalam, pois não terão suas mãos agravadas, seu sexo contestado e sua integridade física ameaçada, ao saírem do estádio.

- Bem-aventurados os que não são escalados, pois escapam de vaias, projéteis, contusões, fraturas, e mesmo da glória precária de um dia.

- Bem-aventurados os que não são cronistas esportivos, pois não carecem de explicar o inexplicável e racionalizar a loucura.

- Bem-aventurados os fotógrafos que trocaram a documentação do esporte pela dos desfiles de modas, pois não precisam gastar tempo infindável para fotografar o relâmpago de um gol.

- Bem-aventurados os fabricantes de bolas e chuteiras, que não recebem as primeiras na cara e segundas na virilha, como os atletas e os assistentes ocasionais das peladas.

- Bem-aventurados os que não conseguiram comprar televisão a cores a tempo de acompanhar a Copa do Mundo, pois, assistindo pelo aparelho do vizinho, sofrem sem pagar 20 prestações pelo sofrimento.

- Bem-aventurados os surdos, pois não os atinge o estrondo das bombas da vitória, que fabricam outros surdos, nem o matraquear dos locutores, carentes de exorcismo.

- Bem-aventurados os que não moram em ruas de torcida institucionalizada, ou em suas imediações, pois só recolhem 50% do barulho preparatório ou comemorativo.

- Bem-aventurados os cegos, pois lhes é poupado torturar-se com o espetáculo direto ou televisionado da marcação errada, que paralisa os campeões, ou do lance imprevisível, que lhes destrói a invencibilidade.

- Bem-aventurados os que nasceram, viveram e se foram antes de 1863, quando se codificaram as leis do futebol, pois escaparam dos tormentos da torcida, inclusive dos ataques cardíacos infligidos tanto pela derrota como pela vitória do time bem-amado.

- Bem-aventurados os que, entre a bola e botão, se contentaram com este, principalmente em camisa, pois se consolam mais facilmente de perder o botão da roupa do que o bicho da vitória.

- Bem-aventurados os que, na hora da partida internacional, conseguem ouvir a sonata de Albinoni, pois destes é o reino dos céus.

- Bem-aventurados os que não confundem a derrota do time da Lapônia pelo time da Terra do Fogo com a vitória nacional da Terra do Fogo sobre a Lapônia, pois a estes não visita o sentimento de guerra.

- Bem aventurados os que, depois de escutar este sermão, aplicarem todo o ardor infantil no peito maduro para desejar a vitória do selecionado brasileiro nesta e em todas as futuras Copas do Mundo, como faz o velho sermoneiro desencantado, mas torcedor assim mesmo, pois para o diabo vá a razão quando o futebol invade o coração.

Carlos Drumonnd de Andrade

quinta-feira, 24 de junho de 2010

OPOTUNIDADE

Projeto Legal seleciona pedagogo/a
Enviado por viviane, seg, 21/06/2010 - 21:44

A Organização de Direitos Humanos Projeto Legal está com vaga aberta para pedagogo/a. A pessoa deve estar preparada para: oferecer suporte pedagógico aos projetos; atuar com captação de recursos; trabalhar com gerenciamento de cursos e elaboração de projetos; e estabelecer contatos interinstitucionais. A carga horária é de 30 horas e o salário de R$ 1.500,00. Interessados/as devem enviar, até o dia 28 de junho, currículo e carta de intenção para anacarla@projetolegal.org.br, com “Vaga Pedagogia” no assunto. Informações sobre a entidade estão em www.projetolegal.org.br

extraido de www.rets.org.br em 26/06/2010 as 14. 20

OPOTUNIDADES

Ação da Cidadania contrata sociólogo/a e intrutores/as
Enviado por viviane, seg, 21/06/2010 - 21:31

A Ação da Cidadania, entidade criada pelo sociólogo Betinho, contrata um/uma sociólogo/a (com larga experiência em projetos de organização e mobilização social e disponibilidade para horário integral) e três instrutores/as (com experiência em processos educativos com líderes comunitários) para atuar em projeto de educação popular voltado para a garantia dos direitos do cidadão. Contratação imediata e atuação no estado do Rio de Janeiro. Currículos devem ser enviados para valeska@acaodacidadania.com.br.

extraido de www.rets.org.br em 26/06/2010 as 15.19

OPOTUNIDADES

ONG do Rio de Janeiro abre vaga para supervisor/a de programas
Enviado por viviane, ter, 22/06/2010 - 19:16

ONG do Rio de Janeiro (RJ) busca supervisor/a de programas para assessorar a coordenação do departamento de programas da instituição no acompanhamento a programas estaduais de saúde reprodutiva. É preciso: graduação completa (desejável mestrado em Sociologia, Antropologia ou Demografia); inglês avançado; informática avançada (programas principais e Internet); conhecimentos na área de saúde sexual e reprodutiva; e, no mínimo, três anos de experiência na função.
São atribuições: monitorar metas programáticas das atividades de assessoria e de treinamento a parceiros e conveniados; acompanhar produtividade das equipes estaduais; dirigir negociação e renegociação direta com parceiros e conveniados; reunir-se com lideranças locais e participar de fóruns de controle social; apoiar elaboração de materiais específicos (folders, ‘books’, cartilhas); auxiliar elaboração de materiais e rotinas para prospecção de contratos junto a empresas e outros financiadores; gerenciar projetos sociais (acompanhamento financeiro e elaboração de relatórios para financiadores).
O trabalho será das 8h às 17h. Interessados/as devem enviar currículo, no corpo do e-mail e com pretensão salarial, para rh.pessoasselecao@yahoo.com.br.

extraido de www.rets.org.br em 25/06/2010 as 15.18

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Uma epopeia abandonada




Robinson Cavalcanti

Dividimos a história do protestantismo no Brasil em três períodos: o consenso, o dissenso e o confuso. A Era do Consenso (1855-1960) foi marcada pelas igrejas históricas de missão: congregacionais, presbiterianas, metodistas, batistas e episcopais (anglicanas), únicas no início, hegemônicas depois. Sob restrições de direitos no Império e discriminações e perseguições na República, os pioneiros adentraram o país ao lombo de burro, pregaram o evangelho, distribuíram Bíblias, fundaram igrejas e colégios, iniciando uma saga memorável. Essa epopeia se dá em um consenso evangélico da Reforma, e de movimentos como o puritanismo, o pietismo, os avivamentos e as missões. Movia-se pelo idealismo de uma fé superior, da democracia e do progresso. Une-se no apoio à Escola Bíblica Dominical, e na criação da Confederação Evangélica (1934-1964), quando o espírito do Congresso do Panamá prevalece sobre o Congresso de Edimburgo (1910), afirmando a América Latina como campo missionário. Restrições e dificuldades não impedem o crescimento quantitativo e qualitativo, o treinamento de líderes, a produção de um pensar nacional, a afirmação da ética, quando todos (salvo aspectos secundários) anunciavam a mesma mensagem. A chegada posterior do pentecostalismo não trouxe alterações na hegemonia dos históricos, em virtude do seu, então, isolacionismo. A Igreja Romana ia do regalismo, do ultramontanismo, e do integrismo (triunfalista) ao humanismo integral da Ação Católica. A presença do presidente Kubitschek no centenário do presbiterianismo, em 1959, e o encher do estádio do Maracanã no encerramento do encontro da Aliança Batista Mundial, em 1960, sinalizavam a consolidação do projeto e da presença protestante no Brasil. A Era do Dissenso (1961-1990) viu as igrejas refletirem a Guerra Fria, as divisões entre esquerda e direita, e entre tradicionais, renovados e ecumênicos. A pneumatologia, com o movimento de renovação espiritual, fragmentou as igrejas históricas. O Golpe Militar teve um forte rebatimento no espaço eclesial, aprofundando conflitos, desmobilizando projetos, fomentando a alienação. A Confederação Evangélica -- órgão aglutinador e representativo -- é fechada. O fundamentalismo, antes marginal, cresce. Ao pentecostalismo de línguas se soma o de curas, menos isolacionista. O espírito do Congresso de Lausanne não emplaca. Uma amnésia histórica é promovida, quanto à dimensão social, cultural e política. As ações unificadoras ainda se dão via entidades paraeclesiásticas (ABU, MPC, Vinde, FTL, CBE). Há um lento e doloroso retorno das novas gerações aos espaços públicos: anistia, constituinte, diretas já, campanha presidencial de 1989. O protestantismo amplia a sua presença em termos geográficos e de segmentos sociais. A polêmica sobre a pessoa e a obra do Espírito Santo reflui, com muitos históricos aceitando a contemporaneidade dos dons, e renovados e pentecostais revalorizando a história e a teologia. O pensamento norte-americano mais conservador invadiu nossas livrarias e seminários, atrofiando a reflexão nacional. A presença de líderes mais velhos e de alguns novos, ainda concede uma imagem de seriedade e de dignidade, mas o dissenso vai substituindo o consenso. A Igreja Romana conhecera o Concílio Vaticano II, com um misto de renovação, insegurança e divisões, e ia do aplauso ao Golpe Militar à militância de esquerda com a Teologia da Libertação. A atual Era do Confuso (1991-?) assistiu à rápida expansão das seitas paraprotestantes pseudo(neo)pentecostais, da teologia da prosperidade e da batalha espiritual, do G-12, dos “decretos”, dos “apóstolos” e “bispos”, do “gospel”, do mercado religioso, da falta de ética, e de uma miríade de novidades, redes, métodos e macetes importados e pragmáticos, com o saber moderno substituído pelo sentir pós-moderno, individualista, subjetivista e de resultados, ao lado do sincretismo dos “encostos” e dos “descarregos”. Depois de um quarto de século do fim da Confederação Evangélica, se buscou a criação de um novo órgão aglutinador: a Associação Evangélica Brasileira (AEVB), quando as diferenças tinham se aprofundado e a fragmentação institucional (denominações e “ministérios”) atingido níveis escandalosos. Refletindo o personalismo da época, a AEVB foi montada em torno de um líder carismático e não de uma liderança coletiva. A crise do líder feriu de morte a instituição. Instalou-se, mais ainda, o caos, onde todos falam para alguns. O liberalismo teológico dominou algumas igrejas (IECLB, IEAB), cresceu a presença em outras, com setores do evangelicalismo abjurando de suas origens, e lideranças com suas convicções abaladas e “batendo fofo” diante da agenda GLSTB. Cresceu o misticismo nas massas e o secularismo nas elites. A Igreja Romana reprimiu a Teologia da Libertação e promoveu a Renovação Carismática. O Protestantismo deu lugar a protestantismos e “protestantismos”. A epopeia, inacabada, foi abandonada. Porém, para o remanescente fiel, a saga prossegue!


• Dom Robinson Cavalcanti é bispo anglicano da Diocese do Recife e autor de, entre outros, Cristianismo e Política -- teoria bíblica e prática histórica e A Igreja, o País e o Mundo -- desafios a uma fé engajada.
www.dar.org.br

extraido de www.ultimato.com.br dia 26/06/2010 as 12. 17

ESTRUTURALISMO


ligação do origem
Voltaire Schillin
O Estruturalismo é uma modalidade de pensar e um método de análise praticado nas ciências do século XX, especialmente nas áreas das humanidades. Metodologicamente, analisa sistemas em grande escala examinando as relações e as funções dos elementos que constituem tais sistemas, que são inúmeros, variando das línguas humanas e das práticas culturais aos contos folclóricos e aos textos literários. Partindo da Lingüistica e da Psicologia do principio do século XX, alcançou o seu apogeu na época da Antropologia Estrutural, ao redor dos anos de 1960. O Estruturalismo fez do francês Claude Lévi-Strauss o seu mais celebrado representante, especialmente em seus estudo sobre os indígenas no Brasil e na América em geral, quando dedicou-se a “busca de harmonias insuspeitas”

As fontes primeiras
Uma das suas primeiras fontes foi a escola psicológica inaugurada por Wilhelm Wund (1832-1920) que procurou determinar a estrutura da mente na tentativa de compreender os fenômenos mentais pela decomposição dos estados de consciência produzidos pelos estímulos ambientais. Para tanto, o psicólogo defendeu como linha de atuação o introspeccionismo (o “olhar para dentro”) na tentativa de fazer com que o pesquisador observasse e descrevesse minuciosamente suas sensações em função das características dos estímulos a que ele era submetido, afastado do relato tudo aquilo que fosse previamente conhecido. No campo da lingüistica, o trabalho do francês Ferdinand de Saussure (Cours de linguistique général, 1916, publicado pós-morte), empreendido apenas antes da Iª Guerra Mundial, serviu por muito tempo como o modelo e inspiração da corrente estruturalista de formação francesa.

A lingüística de Sausurre
A característica do estruturalismo, baseado no inquérito lingüístico de Saussure, centrou-se não no discurso próprio mas nas regras e nas convenções subjacentes que permitiam a língua operar: qual a lógica que subjaze oculta por detrás da fala das gentes. Ao analisar a dimensão social ou coletiva da língua , ele abriu caminho e promoveu o estudo da gramática. Para melhor entendimento do estudo da linguagem separou-a em langue (língua, o sistema formal da linguagem que governa os eventos da fala ) e a parole (palavra propriamente dita, o discurso, ou os eventos da fala). Saussure estava interessado na infra-estrutura da língua, aquilo que é comum a todos os falantes e que funciona em um nível inconsciente. Seu inquérito concentrou-se nas estruturas mais profundas da língua, mais do nos fenômenos de superfície, não fazendo nenhuma referência à evolução histórica do idiomas.

Sincronia e diacronia
Esta atitude cientifica, a de analisar o objeto do estudo em si, relacionado apenas com o que era-lhe pertinente, quase que imóvel no tempo, ele chamou de sincrônico, contrapondo-o ao estudo histórico do mesmo, ao que ele chamou de diacrônico, onde a mudança está sempre presente. Fiel ao ideário positivista, ele opôs-se ao evolucionismo , ao hegelianismo e ao marxismo que entendiam qualquer objeto ou fenômeno como resultante da história. Para ele o que interessava era quais eram os resultados extraídos da observação direta e o que podia apreender-se delas.

O estruturalismo - Lévi-Strauss e a antropologia estrutural
No campo dos estudos da antropologia e do mito, o trabalho foi levado a diante por Claude Lévi-Strauss, no período imediato à II Guerra Mundial, que divulgou e introduziu os princípios do estruturalismo para uma ampla audiência, alcançando uma influência quase que universal, fazendo com que o seu nome, o de Lévi-Strauss, não só se confundisse com o estruturalismo como se tornasse um sinônimo dele. O estruturalismo virou "moda" intelectual nos anos 60 e 70. Os livros dele ("O Pensamento Selvagem", Tristes Trópicos, Antropologia estrutural, As estruturas elementares do parentesco), tiveram um alcance que transcendeu em muito aos interesses dos especialistas ou curiosos da antropologia Desde aquela época o estruturalismo de Lévi-Strauss tornou-se referência obrigatória na filosofia, na psicologia e na sociologia. De certo modo, ainda que respeitando a indiferença dele pela história ("o etnólogo respeita a história, mas não lhe dá um valor privilegiado", in O Pensamento Selvagem, 1970, pag.292), pode-se entender a antropologia estrutural como um método de tentar entender a história de sociedades que não a têm, como é o caso das sociedades primitivas.

A valorização das narrativas mitológicas
Enquanto a ciência racionalista e positivista do século XIX desprezava a mitologia, a magia , o animismo e os rituais fetichistas em geral, Lévi-Strauss entendeu-as como recursos de uma narrativa da história tribal, como expressões legitimas de manifestações de desejos e projeções ocultas, todas elas merecedoras de serem admitidas no papel de matéria-prima antropológica. Como é o caso do seus estudos sobre o mito (Mythologiques) , cuja narrativa oral corria da esquerda para a direita num eixo diacrônico, num tempo não-reversível, enquanto que a estrutura do mito (por exemplo o que trata do nascimento ou da morte de um herói), sobe e desce num eixo sincrônico, num tempo que é reversível. Se bem que eles, os mitos, nada revelavam sobre a ordem do mundo, serviam muito para entender-se o funcionamento da cultura que o gerou e perpetuou. A mesma coisa aplica-se com o totemismo, poderoso instrumento simbólico do clã para reger o sistema de parentesco, regulando os matrimônios com a intenção de preservar o tabu do incesto (cada totem está associado a um grupo social determinado, a uma tribo ou clã, e todo o sistema de casamentos é estabelecido pelo entrecruzar dos que filiam-se a totens diferentes). O objetivo dele era provar que a estrutura dos mitos era idêntica em qualquer canto da Terra, confirmando assim que a estrutura mental da humanidade é a mesma, independentemente da raça, clima ou religião adotada ou praticada. Contrapondo o mito à história ele separou as sociedade humanas em “ frias” e “quentes”, formando então o seguinte quadro delas:

Sociedades "frias" (primitivas)

Encontram-se "fora da história", orientando-se pelo modo mítico de pensar, sendo que o mito é definido como "máquinas de supressão do tempo".

Sociedades "quentes" (civilizadas)

Movem-se dentro da história, com ênfase no progresso, estando em constante transformação tecnológica

Partindo-se das idéias de Saussure e do lingüista Roman Jakobson, e do antropólogo Lévi-Strauss, especificaram-se quatro procedimentos básicos ao estruturalismo:
- Primeiro, a análise estrutural examina as infra-estruturas inconscientes dos fenômenos culturais;
- em segundo, considera os elementos da infra-estrutura como "relacionados," não como entidades independentes;
- em terceiro lugar, procura entender a coerência do sistema;
- e quarta, propõe a contabilidade geral das leis para os testes padrões subjacentes no sentido da organização dos fenômenos.

A importância da narrativa
Nos estudos humanísticos e literários em geral , o estruturalismo foi aplicado o mais eficazmente no campo do "narradologia." Esta disciplina, ainda nascente, estuda todas as narrativas, se elas ou não usam a língua, os mitos, as lendas, as novelas, a circulação das notícias, historias, esculturas de relevo e janelas, as pantominas e os estudos de caso psicológicos. Usando métodos e princípios do estruturalismo, os narradologistas analisam as características e as funções sistemáticas das narrativas tentando estabelecer e isolar um jogo de regras finito para esclarecer o jogo infinito de narrativas reais e possíveis.
Começando nos 1960s, o crítico francês Roland Bartes e diversos outros narradologistas franceses, popularizaram o método, que tem desde então transformado um método de análise importante também nos Estados Unidos também.

Estruturalismo, marxismo e freudismo
Ao avaliar as estruturas profundas, subjacentes, que se ocultam por detrás dos fenômenos, escapando do primeiro olhar humano, o estruturalismo aproxima-se das visões de Marx (a infra-estrutura econômica)e Freud (o poder do inconsciente). Ambos, como se sabe, entendiam os fenômenos sociais ou comportamentais como obrigatoriamente condicionados por forças impessoais (o Capitalismo, o Superego), deslocando, desde então, o problema do estudo da consciência ou das escolhas individuais para um quadro bem mais amplo, dos macro-sistemas. Ao contrário da ciência de inclinação liberal, para as correntes citadas acima, o indivíduo pouco contava. Tal como o marxismo e o freudismo, o estruturalismo diminui a importância do que é singular, subjetivo, individual, retratando o ser, a pessoa humana, como resultante de uma construção, a conseqüência de sistemas impessoais (no marxismo o indivíduo é marionete do sistema capitalista, na psicanálise, se bem que amparado no ego, ele é regido pelos impulsos do inconsciente, e na antropologia estrutural pelas relações de parentesco determinadas pelo totemismo) .
Os indivíduos, por conseguinte, nem produzem nem controlam os códigos e as convenções que regem e envolvem a existência social deles, sua vida mental ou experiência lingüística (É o que Marx quis dizer quando afirmou que “ os homens fazem a história, mas não estão conscientes disso”). Em conseqüência desse descaso do estruturalismo pela importância da pessoa, ou do assunto, por ter feito o homem desaparecer na complexa teia da organização social em que nasce e a que pertence, foi considerado pelos seus críticos como um "anti-humanismo."

O estruturalismo - a semiologia e a semiótica
Tentando responder “o que é a palavra?”, que ele entendeu como um signo, formado por conceito e som (o significado e o significante), Saussure deu os primeiros passos para a emergência de uma disciplina nova, uma ciência dos sinais e dos sistemas dos sinais que ele nomeou como semiologia, para qual acreditou a lingüistica estrutural poderia fornecer a principal metodologia. Mais tarde, nos Estados Unidos, batizaram-na de semiótica. Em 1961, Lévi-Strauss situou a antropologia estrutural dentro do domínio do "semiologia". Cada vez mais os termos de semiologia e da semiótica, ciência decorrente da semiologia, vieram a designar um campo do estudo que analisa sistemas, códigos, e convenções de sinal de todos os tipos: do ser humano às línguas do animal, do jargão das formas ao léxico do alimento, das regras da narrativa popular às que compõe os sistemas fonológicos, dos códigos da arquitetura e da medicina às convenções do mito e da literatura.

Os derradeiros
O termo semiótica substituiu gradualmente o de estruturalismo, e o surgimento da Associação Internacional para Estudos Semióticos, nos 1960s, solidificou ainda mais esta tendência. No momento em que a metodologia do estruturalismo estava se dissolvendo na disciplina da semiótica, uma reação crítica ocorreu, particularmente na França. Surgiram projetos de antítese da parte de cismáticos, tais como Gilles Deleuze' com sua “esquisoanálise”, o “desconstrucionismo” de Jacques Derrida' e a “genealogia” de Michel Foucault, Estas escolas críticas foram, porém, consideradas como marginais e, depois, etiquetadas dentro do conceito muito amplo do pós-estruturalismo.

Citações

A inutilidade do pensamento científico
"De fato, na história da humanidade aconteceu um fenômeno importante, capital, que é o nascimento do pensamento científico e seu desenvolvimento. Esse fato é um valor intrínseco, em si mesmo, que eu realmente coloco fora do relativismo cultural. Agora, se você olha as coisas um pouco mais do alto, dirá que esse pensamento científico que respeitamos e que nos apaixona em seus progressos passo a passo, que se efetua no decorrer dos séculos, anos ou dias, é na realidade profundamente vão. Já que o que nos ensina é, ao mesmo tempo, a melhor compreender as coisas em seus detalhes e que não podemos jamais compreender na totalidade, no conjunto.
O pensamento científico, ao mesmo tempo que alimenta nossa reflexão e aumenta nossos conhecimentos, mostra a insignificância última desse conhecimento. Depende do seu ponto de vista e do nível, que é o nosso, o do homem do século XX, do mundo ocidental, o pensamento científico é algo essencial, fundamental, e devemos utilizá–lo. Porém, se nos tornamos metafísicos, diremos que de fato ele é essencial, mas ao mesmo tempo é preciso saber que não serve para nada”.
(LÉVI–STRAUSS, C. Entrevista à Bernardo Carvalho, in FOLHA DE S. PAULO, 22 de outubro de 1989).

O estruturalismo - em favor da diversidade cultural
"A verdadeira contribuição das culturas não consiste numa lista das suas invenções particulares mas na maneira diferenciada com que elas se apresentam. O sentimento de gratidão e de humildade de cada membro de uma cultura dada deve ter em relação a todas as demais não deve basear-se senão numa só convicção: a de que as outras culturas são diferentes, de uma maneira a mais variada e se a natureza última das suas diferenças nos escapa...deve-se a que foram imperfeitamente penetradas.
Se a nossa demonstração é válida não há nem pode haver uma civilização mundial no seu sentido absoluto, porque civilização implica na coexistência de culturas que oferecem o máximo de diversidade entre elas, consistindo mesmo nesta coexistência. A civilização mundial não será outra coisa que a coalizão de culturas em escala mundial, preservando cada uma delas a sua originalidade".
Lévi-Strauss - Antropologia estrutural

Bibliografia
Enciclopédia de Grolier. (de onde foi tirado o arcabouço deste texto)
Groethuysen, Bernard – "Antropologia Filosófica" (Lisboa, Presença, 1982
Lévi-Strauss, Claude - "Antropologia Estrutural" (RJ, Tempo Brasileiro, 1970)
____. "O Pensamento Selvagem" (SP, Nacional, 1976)
____. "As estruturas elementares do parentesco" (Petrópolis, RJ, Vozes, 1982)
____. "Tristes Trópicos" (Lisboa, Edições 70, 1979)
Malinowski, R. – "Uma teoria científica da cultura" (RJ, Zahar, 1962)

estraido de www.robertexto.com dia 23/06/2010 as 11.14.