quarta-feira, 9 de junho de 2010

Lévi-Strauss: um dos maiores pensadores do século 20 morre em Paris


Foto: ReutersLévi-Strauss Foto: Reuters

Bolívar Torres e Luísa Côrtes, Jornal do Brasil

RIO - “Meu único desejo é um pouco mais de respeito para o mundo, que começou sem o ser humano e vai terminar sem ele”. O autor da frase, o antropólogo e filósofo franco-belga Claude Lévi-Strauss, tentou, ao longo de mais de 80 anos de vida profissional, jogar luz sobre a relação do ser humano com o seu ambiente e com seus pares, em obras essenciais para as ciências sociais, como Tristes trópicos, O cru e o cozido e a série Mitológicas. Um dos maiores pensadores do século 20, Lévi-Strauss morreu na madrugada de sábado para domingo, de ataque cardíaco, em seu apartamento em Paris. A notícia foi dada terça-feira pela editora Plon, 25 dias antes de seu aniversário de 101 anos.

– É uma perda irreparável para a antropologia do mundo e o pensamento humanista, que ele ajudou a construir no século 20 – diz Ivone Maggi, antropóloga professora da UFRJ. – Apesar de ter vivdo num mundo muito diferente do de hoje, suas ideias permanecem vivas, e ainda influenciarão a humanidade nos próximos 100 anos.

Filho de intelectuais franceses de origem judaica, Lévi-Strauss nasceu em Bruxelas, na Bélgica, em 1908. Ainda criança mudou-se para a França, onde, mais tarde, estudou Direito e Filosofia na Universidade de Sorbonne, em Paris. O antropólogo fez parte do círculo intelectual de Jean Paul Sartre, e comandou por mais de 20 anos o departamento de Antropologia Social no College de France, onde ficou até se aposentar, em 1982.

Para o antropólogo Gilberto Velho, a obra de Levi-Strauss extrapola as fronteiras da antropologia, passando pela linguística e a filosofia, entre outras disciplinas.

– O pensamento de Lévi-Straus é o respeito à natureza da sociedade em geral, mas também a relação da sociedade com a própria natureza – observa Velho. – Seu discurso sobre o pensamento selvagem relativiza a noção de primitivismo, mostrando a riqueza do chamado pensamento primitivo e revendo a própria noção de humanidade.

O antropólogo lembra também a influência do trabalho de Lévi-Strauss no meio acadêmico brasileiro.

– Nossa etimologia, por exemplo, dialoga frequentemente com a sua obra – destaca Velho.

Lecionando na Universidade de São Paulo entre 1935 e 1939, Lévi-Strauss fundou do departamento de Ciências Sociais do então recém-fundado centro de ensino. Foi no Brasil que o pensador iniciou seu estudo sobre os índios, despertando sua vocação para a antropologia. Em diversas viagens ao interior do Brasil, ao Norte do Paraná, a Goiás e ao Mato Grosso, Lévi-Strauss passou a conviver diariamente com tribos indígenas. O relato dessa exploração por terras brasileiras transformou-se no livro Tristes trópicos, de 1955, até hoje sua obra mais conhecida. A publicação foi encomendada pela editora francesa Plon para fazer parte de uma série etnográfica chamada Terra humana. Lévi-Strauss se destacou e escreveu uma obra de arte, segundo os críticos, que se diferencia de um relato erudito, por representar a alma do autor.

– Levi-Strauss trouxe uma visão totalmente nova para a pesquisa antropológica. Em seus estudos no Brasil, por exemplo, ele não via o índio como um ser diferente, mas como parte de um mundo compartilhado por todos. Ele nunca buscou a diferença entre os seres humanos, mas a nossa identidade como espécie – comenta a professora de antropologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha) Valderez Guimarães, ressaltando as dificuldades que o antropólogo encontrou por aqui, inclusive com o governo de Getúlio Vargas, que o tinha como persona non grata: – O serviço de inteligência não tirava os olhos dele.

Lévi-Strauss é considerado o pai do estruturalismo, corrente intelectual que ajudou a compor, por meio da reunião do método estrutural e da psicanálise, e que buscava a interpretação dos mitos, a descoberta dos sistemas de pensamento e o entendimento sobre o funcionamento social. Para a elaboração do novo conceito, ele contou com um fundamental encontro com o linguista americano Roman Jakobson, que o estimulou a se debruçar sobre os fenômenos humanos.

Seguindo o conselho de Jakobson, Lévi-Strauss lançou o seu primeiro livro de grande projeção, As estruturas elementares do parentesco, publicado em 1949. A obra afirma que o “parentesco” – regras de aliança, filiação e residência – está no centro da Antropologia, que estuda o homem em sua dimensão social.

A obra de Strauss é referência em todas as escolas de ciências humanas ao redor do mundo. A importância do antropólogo também já foi reconhecida diversas vezes: em 1973, o pensador foi eleito membro da Academia Francesa; fez parte, ainda, da Academia Nacional de Ciências do Estados Unidos, da Academia Americana e do Instituto de Artes e Letras, todos no Estados Unidos.

– Sua obra e trouxe de forma mais profunda a ideia de que o ser humano é universal – completa Ivone. – Nesse sentido, a busca por princípios universais levou a conclusões importantes sobre a solidariedade e a possibilidade de comunicação entre os diversos grupos humanos.

Obras transformaram experiência em pensamento

Em seu livro mais famoso, Tristes trópicos, Claude Lévi-Strauss disse “odiar as viagens e os exploradores”. Não era mentira. Apesar da publicação sair do quadro estrito da academia, e de boa parte de sua obra estar marcada pelas explorações da selva brasileira, foi mesmo no isolamento das bibliotecas que o antropólogo preferiu se refugiar. A partir de As estruturas elementares de parentesco, publicado em 1949, baseou seu pensamento em métodos rigorosos, como o estruturalismo, para tecer uma crítica severa ao progresso das civilizações. Assim, impôs-se como um intelectual que soube transformar suas experiências em sistemas de pensamento.

No encontro com os índios bororos, a origem do etnógrafo

O primeiro contato de Claude Lévi-Strauss com os índios brasileiros se deu em no rio Tibagi, no Paraná, mas o antropólogo ficou decepcionado, ao ver que “os índios tibagis não eram nem verdadeiros índios, nem selvagens”. Porém, ao final do primeiro ano em que lecionou no país (1935/1936), as visitas aos kadiveus na fronteira com o Paraguai e os bororos no Mato Grosso lhe renderam sua primeira exposição em Paris, o que foi fundamental para sua entrada no meio etnológico francês. Em 1938 foi realizada uma expedição até os nambikwaras no Mato Grosso, que foi encerrada antes do tempo devido a rumores políticos entre o patrocinador da expedição e o governo brasileiro, já que o primeiro era ligado ao Partido Socialista Francês. Essa missão também visitou os bororos e os últimos representantes dos tupi-kaguahib do rio Machado, considerados desaparecidos, relata ele em Tristes trópicos. “Um ano depois da visita aos bororos, todas as condições para fazer de mim um etnógrafo estavam satisfeitas”.

22:34 - 03/11/2009

extraido de www.jbonline.terra.com.br em 09/06/2010 as 11.45

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