quarta-feira, 29 de junho de 2011

DEFICIENTE, O QUE É UM DEFICIENTE?




Faz um mês que participo do Projeto Rompendo Barreiras na UERJ que tem como objetivo a inclusão de pessoas portadoras de deficiência visual ou baixa visão, tem sido estimulante trabalhar com a equipe liderada pela prof. Valéria Oliveira, e o trabalho tem me levantando questões para reflexão muito importante.
A problemática da deficiência não me é de todo estranha, meu marido é portador de deficiência física decorrente de um acidente com arma de fogo, tenho acompanhado o processo de inclusão social do meu esposo, principalmente a laboral de perto, e sempre fazemos algumas observações e criticas a esta tal “inclusão”.
Primeiro porque a cidade e os meios de transportes não estão preparados para dar acessibilidade ao portador de deficiência, o que nos remete ao um fato simples: ele não tem meios adequados para chegar ao seu local de trabalho.
Segundo poucos são os portadores de deficiência qualificados profissionalmente para serem absorvidos no Mercado de Trabalho, e pergunta-se onde esta o hiato entre os programas de qualificação e os seus destinatários: divulgação, localidade, locomoção, renda, ensino?
Terceiro, a carga horária é diferenciada e o salário menor, ora se quero incluir alguém devo fazê-lo plenamente, com todos os direitos e deveres, e fica pergunta por que a carga horária e o salário do portador de deficiência são menores do que os dos seus colegas de trabalho?
Contudo, meu pensamento não são apenas essas questões, mas, a própria representação da pessoa deficiente, que podemos analisar pela própria essência da palavra, assim define o Aurélio: deficiência s. f.Imperfeição, falta, lacuna.
A palavra remete ao estado de imperfeição, a alguém que possui uma lacuna ou tem falta de alguma coisa, a palavra é plena em significado negativo, daquilo que é mal, ou que carrega em si uma carga imperfeita e dessa forma imprestável para a sociedade.
Em tempos primitivos uma deficiência acarretava certamente à morte devido a necessidade de sobrevivência, o nomadismo, a garantia de perpetuação da espécie, em tempos que a força física se fazia necessária para a manutenção do grupo, mas, podemos dizer isso hipoteticamente, não há garantias se os grupos cuidavam de entes deficientes como os doentes e idosos.
Nas civilizações antigas, o Egito foi a que deu lugar e destaque aos deficientes, há a foto de um anão tocando um instrumento e uma escrita onde podemos ver um cego em seu cotidiano. A medicina egípcia também se importava quanto à cura ou terapia de pessoas com deficiência.
Evidências arqueológicas nos fazem concluir que no Egito Antigo, há mais de cinco mil anos, a pessoa com deficiência integrava-se nas diferentes e hierarquizadas classes sociais (faraó, nobres, altos funcionários, artesãos, agricultores, escravos). A arte egípcia, os afrescos, os papiros, os túmulos e as múmias estão repletos dessas revelações. Os estudos acadêmicos baseados em restos biológicos, de mais ou menos 4.500 a.C., ressaltam que as pessoas com nanismo não tinham qualquer impedimento físico para as suas ocupações e ofícios, principalmente de dançarinos e músicos.(Gurgel, http://www.ampid.org.br)
Contudo a sociedade romana não admitia a deficiência física, sendo mortas as crianças que assim nascessem e deixados na miséria soldados que retornavam ao campo de batalha mutilados.
As leis romanas da Antiguidade não eram favoráveis às pessoas que nasciam com deficiência. Aos pais era permitido matar as crianças que com deformidades físicas, pela prática do afogamento. Relatos nos dão conta, no entanto, que os pais abandonavam seus filhos em cestos no Rio Tibre, ou em outros lugares sagrados. Os sobreviventes eram explorados nas cidades por “esmoladores”, ou passavam a fazer parte de circos para o entretenimento dos abastados. (GURGEL, http://www.ampid.org.br)
Em Esparta, o destino de crianças deficientes era o mesmo do que de Roma, visto a sociedade Espartana ser completamente voltada para a guerra, os esportes e o culto ao corpo perfeito.
Em Atenas apenas os que se dedicavam a vida de contemplação filosófica pareciam gozar de alguma aceitação, escravos, trabalhadores e mulheres que já eram tidos como inferiores, eram mais inferiores ainda em casos de deficiência. Apesar do mito de Tirésias:
Enquanto passeava, Tirésias encontrou duas serpentes em cópula, as quais atingiu com o seu bordão. Uma tal ação enfureceu Hera, que decidiu transformar o seu perpetrador em mulher. A partir daqui, são diversas as versões do mito, com algumas a mencionarem Tirésias como uma famosa prostituta, enquanto que outras a referem como uma sacerdotisa de Hera. Eventualmente, esta figura encontrou outras duas serpentes em cópula, e pelas suas novas ações voltou ao seu sexo original.
Mais tarde, Zeus e Hera tiveram uma curiosa discussão, relativa à que sexo tira mais prazer do ato sexual. Hera mostrou-se simpatizante pelo lado masculino, enquanto que Zeus referia o sexo feminino como o mais feliz nessa questão, e pela sua experiência única decidiram chamar Tirésias. Ainda desprovido dos seus famosos dons, este habitante de Tebas proferiu uma curiosa idéia - "das dez partes do prazer, o homem apenas tem uma" - a qual exaltou a ira de Hera, que o cegou. Para compensar tal ato, Zeus deu a este homem o dom da profecia, que seria um dos mais famosos da Grécia Antiga.(extraído de http://mitologia.blogs.sapo.pt em 07/04/11 as 17.35).

Contudo a Atenas filosófica e não mais mitológica só concebia um lugar ao deficiente, o de pensador, desde que sua deficiência não o impedisse de ler.
No judaísmo o deficiente era visto como um pecador ou filho de pecadores. Sacerdotes deficientes não podiam chegar ao Santo dos Santos. Jesus reverteu essa lógica, no caso de um cego de nascença que vivia no templo medingando, fez uma distinção muito clara que nem ele e nem os pais haviam pecado, mas, que sua cegueira era para manifestação da Glória de Deus, após a cura do cego, Jesus fez clara distinção entre a cegueira física e a cegueira espiritual.
Levados por esses ensinamentos de Jesus, os apóstolos e a Igreja do primeiro século, tendiam a serem caridosas com os deficientes. Quando o evangelho penetrou na sociedade romana a cultura de matar os deficientes ou deixá-los sem amparo foi mudada.
Em Alexandria foi criada a primeira universidade de estudos filosóficos e teológicos de grandes mestres. Dentre eles, Dídimo, o Cego, conhecia e recitava a Bíblia de cor. No período em que começava a ler e escrever aos cinco anos de idade, Dídimo perdeu a visão mas, continuou seus estudos, tendo ele próprio gravado o alfabeto em madeira para utilizar o tato.
As Constituições romanas do Imperador Leão III havia a previsão da pena de vazar os olhos ou amputar as mãos dos traidores do Império. Há registros de que os índices de criminalidade baixaram. Esta pena foi praticada até a queda do Império Romano e continuou sendo aplicada no Oriente
A Idade Média, onde a bíblia recebeu interpretações extremamente equivocadas a deficiência voltou a ser estigma de pecado.
A população ignorante encarava o nascimento de pessoas com deficiência como castigo de Deus. Os supersticiosos viam nelas poderes especiais de feiticeiros ou bruxos. As crianças que sobreviviam eram separadas de suas famílias e quase sempre ridicularizadas. A literatura da época coloca os anões e os corcundas como focos de diversão dos mais abastados. (Gurgel, http://www.ampid.org.br)
Em religiões onde se acredita em Carma ela é vista como “pagamento de erros passados” ou “sofrimento para purificação da alma”, e assim levar o indivíduo a evolução. O rei Luís IX fundou o primeiro hospital para pessoas cegas,
Com o advento do capitalismo e a necessidade de mão de obra para a produção o deficiente passou a ser visto como um estorvo, pois não estaria apto a fazer parte da cadeia produtiva, para o detentor dos meios de produção não servia como mão de obra e para a família não produzia e consumia o que era produzido pelo grupo.
São dessa época que as Santas Casas de Misericórdia e os asilos vão recolher diversos tipos de deficientes a fim de lhes fazer caridade, numa protoforma das primeiras ações assistenciais junto a este publico.
Nas famílias burguesas o nascimento de uma criança deficiente era um escândalo em sua maioria, sendo a criança confinada com babás e escondida de outros membros da família ou amigos, ou depositadas na roda dos expostos. O marido sempre culpava a mulher pelo filho deficiente e a situação era vista como uma mácula ao bom nome familiar, principalmente se a deficiência fosse de origem mental.
Mas, algumas iniciativas pioneiras são dessa época, com o iluminismo e as descobertas científicas. Gerolamo Cardomo, médico e matemático criou um código para ensinar pessoas surdas a ler e escrever, influenciando o monge beneditino Pedro Ponce de Leon, desenvolveu um método de educação para pessoa com deficiência auditiva, por meio de sinais. Esses métodos contrariaram o pensamento da sociedade da época que não acreditava que pessoas surdas pudessem ser educadas. Já na Inglaterra John Bulwer defendeu um método para ensinar aos surdos a leitura labial, além de ter escrito sobre a língua de sinais.
Juan Pablo Bonet na Espanha, em 1620 escreveu sobre as causas das deficiências auditivas e dos problemas da comunicação, condenando os métodos brutais e de gritos para ensinar alunos surdos. No livro Reduction de las letras y arte para ensenar a hablar los mudos, Pablo Bonet demonstra pela primeira vez o alfabeto na língua de sinais.
Ambroise Paré (1510-1590), médico francês do Renascimento, aperfeiçoou os métodos cirúrgicos para ligar as artérias, substituindo as cauterizações com ferro em brasa e com azeite fervente. Foi grande a sua contribuição na criação de próteses
Martinho Lutero, um dos pioneiros do protestantismo, afirmava que pessoas deficientes não possuíam natureza humana e eram usadas por maus espíritos, bruxas, fadas, duendes e que deviam ser afogadas.
Durante os séculos XVII e XVIII houve grande desenvolvimento no atendimento às pessoas com deficiência em hospitais. Havia assistência especializada em ortopedia para os mutilados das guerras e para pessoas cegas e surdas.
Philippe Pinel foi o pioneiro na explicação que pessoas com perturbações mentais deveriam ser tratadas como doentes, ao contrário do que acontecia na época, quando eram trados com violência e discriminação.
No Século XIX, em 1819, Charles Barbier (1764-1841), um capitão do exército francês, atendendo a um pedido de Napoleão, desenvolveu um código para ser usado em mensagens transmitidas à noite durante as batalhas. Em seu sistema uma letra, ou um conjunto de letras, era representado por duas colunas de pontos que por sua vez se referiam às coordenadas de uma tabela. Cada coluna podia ter de um a seis pontos, que deveriam estar em relevo para serem lidos com as mãos. O sistema foi rejeitado pelos militares, que o consideraram muito complicado.
Barbier então apresentou o seu invento ao Instituto Nacional dos Jovens Cegos de Paris. Entre os alunos que assistiram a apresentação encontrava-se Louis Braille (1809- 1852), então com quatorze anos, que se interessou pelo sistema e apresentou algumas sugestões para seu aperfeiçoamento. Como Barbier se recusou a fazer alterações em seu sistema, Braille modificou totalmente o sistema de escrita noturna criando o sistema de escrita padrão – o BRAILLE – usado por pessoas cegas até aos dias de hoje.
O Século XIX, ainda com reflexos das idéias humanistas da Revolução Francesa, ficou marcado na história das pessoas com deficiência. Finalmente se percebia que elas não só precisavam de hospitais e abrigos, mas, também, de atenção especializada. É nesse período que se inicia a constituição de organizações para estudar os problemas de cada deficiência. Difundem-se então os orfanatos, os asilos e os lares para crianças com deficiência física. Grupos de pessoas organizam-se em torno da reabilitação dos feridos para o trabalho, principalmente nos Estados Unidos e Alemanha.
Apesar dessas iniciativas, a deficiência, ou a pessoa portadora com deficiência era vista como um estorvo, tanto que era isolada em um asilo ou orfanato, devido a pessoa com deficiência ter uma representação negativa, de pessoa “de menos”, necessitada de caridade, digna de pena, “o coitadinho”. Mas, o que é uma representação social?
Representação social é uma categoria de analise usada por Serge Moscovici, um psicólogo social, e procura tornar familiar aquilo que não conhecemos.
"As representações que nós fabricamos – duma teoria científica, de uma nação, de um objeto, etc – são sempre o resultado de um esforço constante de tornar real algo que é incomum (não-familiar), ou que nos dá um sentimento de não-familiaridade. E através delas nós superamos o problema e o integramos em nosso mundo mental e físico, que é, com isso, enriquecido e transformado. Depois de uma série de ajustamentos, o que estava longe, parece ao alcance de nossa mão; o que era abstrato torna-se concreto e quase normal (...) as imagens e idéias com as quais nós compreendemos o não-usual apenas trazem-nos de volta ao que nós já conhecíamos e com o qual já estávamos familiarizados (Moscovici, 2007, p.58)"

Como pudemos perceber a representação social da pessoa deficiente é negativa, daquele que era pecador, amaldiçoado, alguém desprezado ou alvo da caridade bondosa e não pessoa, sujeito de direitos.
Apesar dos avanços alcançados, principalmente no Brasil, com o estatuto da pessoa com deficiência, Lei 7699/6 que em seus direitos fundamentais assim determina: no Art. 11. A pessoa com deficiência tem direito à proteção à vida, mediante efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.
Hoje falasse muito em inclusão, a TV mostra em horário nobre a historia comovente de uma cadeirante, estimulasse ao esporte, o governo pressiona as empresas privadas com a Lei de Cotas para pessoa com deficiência, mas, não podemos esquecer que numa época de capitalismo global, em que necessitamos de aumento do consumo e principalmente na área tecnológica onde há grandes investimentos em próteses e orteses.
Contudo, a pessoa com deficiência ainda é representada negativamente, invisível na cidade sem acessibilidade, no transporte publico de qualidade baixa que sempre cheio impossibilita a locomoção, a escola publica, ainda despreparada para receber e ensinar com qualidade seus alunos chamados “especiais”.
Na verdade a inclusão é a constatação da exclusão. Que a sociedade exclui, torna invisível, coloca para debaixo do tapete esses “incômodos” seres “de menos” que os desafia e mostra a vulnerabilidade humana.
A deficiência uma construção social, uma representação que fazemos de pessoas que não vêem, não ouvem, não se locomovem, não pensam e não aprende como nós, porque nos tomamos como a medida de todas as coisas.
O corpo humano, esse extraordinário e maravilhoso corpo humano se reorganiza para que a pessoa com deficiência continue a viver e desenvolver-se. Assim o deficiente auditivo “ouve” com a pele e com os olhos, o deficiente visual “vê” com a audição, o tato, o olfato, o deficiente físico encontra formas de equilibrar o corpo, quem não conhece a mulher que sem braços fazia todos seus afazeres domésticos com seus pés? Ou o filme estrelado por Daniel Day – Lewis “Meu Pé Esquerdo” que conta a historia de um jovem que nasce com paralisia cerebral numa família irlandesa pobre e se torna pintor e escritor utilizando apenas seu pé esquerdo? O deficiente intelectual aprende através de outras formas e o deficiente mental “percebe” outra realidade diferente da nossa, mas, todos eles continuam sendo seres humanos com todas as suas potencialidades e capacidades.






http://www.ampid.org.br
MOSCOVICI, S. Representações sociais: investigações em psicologia social. Rio de Janeiro, Vozes, 2003.

sábado, 4 de junho de 2011

She without arm, he without leg - ballet - Hand in Hand

quarta-feira, 1 de junho de 2011

SURUWAHÁ VIVENDO A VIDA NA EXPECTATIVA DA MORTE




O povo Suruwahá é constituído de onze etnias que sofreram com a dizimação por ocupação de terras para extravio da borracha e sorva. Alguns foram assassinados nas invasões, outros morreram devido ao contato com o “homem branco” que lhe trouxeram diversas doenças. Hoje os Suruwahá habitam a região do Rio Purus – AM, numa área de 239. 070 hectares homologada pela FUNAI em 1991, não contando com mais de 200 pessoas. Os primeiros contatos com os Suruwahá ocorreram nos anos 70 através de entidades religiosas e posteriormente a FUNAI.
Logo uma faceta da nova nação indígena descoberta chamou atenção daqueles que entraram em contato com eles, que era o alto índice de suicídios entre os membros da tribo. Apesar de suicídio entre índios não ser uma novidade, ocorrendo entre os Paresi, Tikuna e Yanomami. O caso mais alarmante chamou a atenção da mídia em 1995 quando houve um crescimento acentuado do suicídio entre os Guaranis, no Mato Grosso do Sul, chegando a 55 pessoas que deram fim a vida.
Contudo, entre os Suruwahá o suicídio ou “morte ritual” como prefere chamar o professor Dal Poz em seu Crônica de uma morte anunciada: Do Suicídio entre os Suruwahá, tem contornos bem diferentes, sendo uma característica marcante na dinâmica social do povo.
Os Suruwahá vivem todos numa única oca grande, espalhados aleatoriamente por famílias, consangüíneos e afins. No centro da oca fica “o dono da casa”, aquele que a construiu com ajuda de outros homens da tribo. É o dono da casa que faz todos os reparos nela.
Construir uma oca, que leva até dois anos, é umas das tarefas que demonstra maturidade masculina. Entre os Suruwahá não há uma chefia, ou pajé, mas, a sociedade é estratificada, sendo os “caçadores” os mais prestigiados entre eles. Aquele que consegue caçar o maior numero de antas para alimentar a família e a tribo goza de prestigio e privilégios.
Há uma forte diferenciação entre os sexos. Ter um filho homem é bastante celebrado, e o maior temor das mulheres Suruwahá é ser enfeitiçada e não poder ter filhos homens. A preferência quanto aos homens na tribo leva a outro fato também muito estudado que é o infanticídio, principalmente das meninas.
O rito de passagem dos meninos para a vida adulta que recebem o suspensório peniano é celebrada com festas, caças, pescarias, depois são surrados pelos homens mais velhos da tribo (agüentar a dor) e vão dormir em suas redes na oca. Enquanto seus familiares lutam noite adentro. Pela manhã os rapazes são levados pelas mulheres para tomar banho no rio, tem seus cabelos cortados e são pintados com urucum.
Entretanto o ritual de passagem das meninas é muito diferente, ao menstruarem pela primeira vez, são isoladas na oca, vendadas, quase não comem e saem apenas à noite para fazer suas necessidades fisiológicas. A partir da primeira menstruação passam a ser vigiadas de perto pelos pais e familiares, não podem andar só, para evitar “abuso sexual” de um não parente. Há uma intensa pressão e vigilância quanto a sexualidade das meninas.
Entre os Suruwahá a beleza, o vigor físico, jovialidade são muito valorizados, daí a maioria dos suicídios ocorrerem entre jovens de ambos os sexos. A decadência física da velhice é intolerada.
Por isso costumam dizer “bom é morrer jovem”. O ato de suicídio é natural e desejável entre os Suruwahá. As crianças brincam desde pequenas com o fato, imitando o ritual de suicídio.
A velhice é vista como uma decadência insuportável, principalmente se o velho se tornar dependente. Apesar de serem respeitados costumam ser ignorados pelos jovens e chamados de “aqueles que tomaram o caminho mais penoso”, ou seja, de morrer de forma natural.
Para compreender como um Suruwahá vive sua expectativa da morte é necessário conhecer sua cosmologia e seu pensamento sobre o transcendente.
Professor Dal Poz cita Günter Kroemer (1994: 150-1) para contar a expectativa dos Suruwahá quanto à morte. “Os Suruwahá concebem três caminhos distintos que atravessam o firmamento: o mazaro agi (caminho da morte), o perscurso do sol, por onde seguem os que morrem de velhice; o konaha agi (caminho do timbó), a trajetória da lua, por onde vão os suicidas; e o koiri agiri (caminho da cobra), o rastro do arco Iris, a rota dos que morrem de picada de cobra. Com isso, o destino escatológico encontra-se polarizado entre a casa do ancestral Bai, o Trovão, no patamar celeste superior, para os que ingerem veneno, onde as "almas" (asoma) reencontram seus parentes e vivem como os autênticos Konahamady (o "povo do timbó"), e a morada do ancestral Tiwijo, a leste, para onde seguem as almas dos que morrem de velhice. Os que foram picados por cobra, estes permanecem num espaço intermediário, o próprio arco-íris. A opção pela morada de Tiwijo, concebida como um caminho "penoso, onde os corações, sem achar sossego e paz, vagueiam" (ibid.: 78), possibilita, paradoxalmente, sua transformação em seres eternamente jovens. A fonte dessa juventude, dizem eles, é uma "comida doce" que as almas recebem ao chegar — a velhice apodrece no túmulo, junto com a pele do cadáver. Lá a vida é boa, as plantas agrícolas crescem sem esforço e a caça e a pesca são abundantes (Fank & Porta, 1996 a: 3; 1996 b: 126-9). Mas, de acordo com Kroemer (ibid.: 78), seria na direção de Bai que os Suruwahá projetariam sua "verdadeira existência à qual ritos, cantos e rezas estão relacionados" — um mundo tomado pelas águas, segundo eles, onde as almas comem apenas raízes de timbó e se transformam em peixes, seu destino final.
A pratica de suicídio entre os Suruwahá é segundo Dal Poz um empréstimo dos índios Catuquina, que ressignificada entre os Suruwahá passou a fazer parte da identidade do povo.
Kroemer pensa que a morte voluntaria entre os Suruwahá tem haver com sua origem advinda do extermínio de seus antepassados com o avanço da frente extrativista, visto que o mundo ideal e feliz não é aqui, mas, no além.
O suicídio pode ser desencadeado por aborrecimentos, brigas ou luto. É costume dizer “Suruwahá esta com saudade” e cometer suicídio para reencontrar seus amigos ou parentes.
Há um ritual para que o fato aconteça conforme descreve Sousa e Santos.
1. Um determinado acontecimento provoca irritação ou contrariedade;
2. O individuo destrói seus pertences (corta e queima a rede, quebra suas armas e ferramentas, estilhaça os utencilios de cerâmica);
3. Os circunstantes, parentes ou não, deixam-no extravassar sua agressividade; procuram disfaçar sua apreensão e, com estudada naturalidade, continuam suas atividades corriqueiras ou começam imediatamente alguma; eles evitam olhar diretamente para o raivoso, mas, acompanham furtivamente seus movimentos;
4. Se após o acesso de raiva, o desgosto ainda não abandonou, o individuo emitirá um grityo ou logo saira ostensivamente da casa, correndo em direção a alguma roça para arrançar raízes de timbó;
5. Os que acompanhavam discretamente o que se passava avisam os demais (parentes, talvez) e algumas pessoas (geralmente do mesmo sexo) perseguem o suicida, ou se ele já está distante, procuram-no nos caminhos que vão dar às roças;
6. Se os perseguidores o encontram, tentam tirar-lhe as raízes; caso contrario, o suicida se dirige a um córrego e ali espreme e mastiga o timbó, de modo a ingerir seu sumo, em seguida bebe um pouco de água para ativar seus efeitos tóxicos;
7. Daí, volta correndo ruma à casa (alguns não conseguem chegar e morrem no caminho)
8. Ali chegando o suicida é atendido por seus parentes ou outros, o que varia segundo o motivo e as relações que suscitaram a tentativa; a operação de salvamento consiste em provocar vomito, esquentar o corpo com panos aquecidos (tarefa realizada pelas mulheres), bater nos membros dormentes e gritar ao ouvido para desperta-lo, mantendo-o sempre sentado;
9. Durante o salvamento se mostram zangados e lhe falam de forma agressiva e xingam-no;
10. Morrendo o suicida há uma grande comoção no grupo, com muitos choros e lamentos, desencadeando logo em seguida, algumas horas ou dias novas tentativas de suicídio, que dão inicio a nova perseguição e tentativa de salvamento.

Dependendo da importância do individuo a mobilização de salvamento será maior ou não, quando se trata de pessoa velha não se costuma fazer salvamento dizendo “está velho, deixa morrer”.
Nesses lamentos costumam dizer que “Suruwahá vai morrer, Suruwahá vai deixar de existir porque gosta do veneno”.
Hoje com saídas para tratamento nas cidades já fazem reflexões que o “povo da cidade tem velhos e mais gente que Suruwahá e são felizes”.



Conclusão

Entendemos essa sociedade em anomia, visto que coloca em risco sua própria existência, é importante ressaltar a forma como foi construída sobre a tragédia do genocídio, fazendo com que reinterpretasse a vida e o significado dela completamente, lançando para o além suas expectativas de felicidade, paz e abundancia, não enfrentando as questões cotidianas.
Os suicídios geralmente ocorrem por luto, desentendimentos entre casal, desentendimentos familiares e até mesmo por desentendimento entre as crianças, pode levar pais ou tios ao suicídio. Morrem mais homens, principalmente devido ao luto, quanto às mulheres a causa principal de morte são as questões ligadas as dificuldades do matrimonio.
Apesar de viverem de forma coletiva há uma certa individuação, por exemplo o nome é dado por características pessoas, historia de seus ancestrais, não havendo repetição de nomes entre eles. Há também a distinção na caça e nos afazeres masculinos e uma clara distinção de gênero.
Outro fato interessante a ser refletido é a juventude, a força, e a beleza como fonte de todas as glorias, tanto que a velhice é uma decadência intolerável.
Olhando desta forma o suicídio dos Suruwahá é uma celebração a estes valores, a eterna juventude, ao eterno vigor, alegria e abundancia, conquistados de uma vez para sempre através do Caminho da Lua, onde junto com Bai, o Trovão, vivem no patamar superior como autênticos Konahamady – Povo do Timbó.





Dal Poz, João. Crônica de uma morte anunciada: do suicídio entre os Soruwahá. Rev. Antropologia. v.43 n.1 São Paulo 2000.
SANTOS, Marcio Martins dos. SOUSA, Kariny Teixeira de. Morte ritual: reflexões sobre o “suicídio” Suruwahá. Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 3, n. 1, p 10-24, Jan/Jun 2009